Sob Vigilância do 5G Chinês

Por Márcio Coimbra

A China tem enfrentado desafios inesperados nos últimos tempos. A guerra comercial com os Estados Unidos afetou sua economia mais do que o previsto. Suas exportações entraram em declínio ao redor do mundo, alcançando uma diminuição ainda maior quando o destino comprador são os americanos. Diante disso, Pequim vem trabalhando alternativas para evitar um débacle ainda mais significativo.

No meio deste caminho está a tecnologia 5G, que tem condições de redirecionar a China para seus objetivos, recuperando o espaço perdido, inserindo o país em posição privilegiada ao redor do mundo. Toda a estratégia de Pequim está centrada na atuação da Huawei, questionada largamente em muitos países por na verdade representar mais o governo chinês do que interesses puramente comerciais de uma companhia privada.

O Brasil é mais um dos atores que estão no centro da disputa internacional sobre como se dará o implemento desta tecnologia de ponta e qual será a companhia responsável por todo este processo. O debate já atravessou o mundo e muitas nações preferiram não optar pela solução chinesa com receio dos riscos que podem advir deste movimento.

O debate é importante porque estamos falando do tráfego de informações pessoais e também outras de Estado, altamente estratégicas. Neste tipo de tecnologia não é possível qualquer arremedo de solução intermediária, separando o centro (“core”) do sistema de sua periferia, já que a integração é total entre equipamentos e conexões. Dentro desta realidade sabemos que o parceiro neste projeto precisa ser uma empresa aberta, transparente, sujeita às leis e essencialmente sediada em um país de regime democrático e sem qualquer vinculação umbilical a um governo estrangeiro.

Nos parece que este não é o caso da Huawei. A lei de cybersecurity chinesa em seu artigo 28 e a lei de inteligência, em seu artigo 7º, requer que todas as empresas nacionais, incluída a Huawei, forneçam informações ao governo que sejam benéficas ao partido comunista daquele país. Isto significa que toda informação relevante que transitar nas redes brasileiras, pode acabar nas mãos de um governo ditatorial estrangeiro. Algo que certamente gera impacto em nossa soberania e segurança nacional.

Parece cada vez mais claro que, na verdade, a Huawei é a estrutura comercial que existe por trás de um modelo de vigilância governamental internacional sediado em Pequim. A rede da empresa fornece ao governo chinês a possibilidade de abrir qualquer porta que atravesse seus canais, incluindo propriedade intelectual, dados bancários, padrões de consumo, reconhecimento facial, troca de mensagens, redes sociais, comunicação comercial e dados sensíveis governamentais.

Os detentores destas informações são capazes de monitorar bilhões de pessoas, direcionar propaganda, abortar trânsito de informações e controlar a infraestrutura de praticamente toda uma nação. Assim erodiram as liberdades em Hong Kong e o mesmo pode acontecer com qualquer país que ouse enfrentar a fúria do Big Brother oriental.

A estratégia por trás da necessidade do controlar o fluxo de informações por qualquer nação por esta tecnologia já começou a fazer vítimas. A Austrália tem enfrentado problemas gravíssimos depois que decidiu não se alinhar com a Huawei e a ZTE (ambas chinesas) e buscar outros parceiros para implementação de sua rede de 5G.

Depois de criar dependência econômica ao longo dos anos, a China conseguiu criar armas poderosas para tentar forçar seus parceiros comerciais a agir de acordo com seus interesses. No caso da Austrália, Pequim revisitou toda política de subsídio ao vinho daquele país, enquanto dois jornalistas australianos eram presos na China e a Huawei retirava o patrocínio do time de rugby nacional. Claros movimentos de retaliação com um claro objetivo: forçar o governo de Camberra a ceder aos interesses chineses.

As retaliações foram adiante, inclusive depois da propagação do novo coronavírus, nascido em território chinês. A Austrália, umas das primeiras nações médias a se aproximar da China, vem pagando um preço muito alto pela audácia em manter sua independência e soberania. Os impactos na economia estão sendo profundos e o país está diante de sua primeira recessão depois de três décadas.

No Brasil, que está prestes a definir seu caminho no processo de modernização das redes, o debate vem ganhando corpo. Alguns alegam que se a escolha nacional recair sobre a Huawei, Ericsson ou Nokia, os riscos dos dados brasileiros caírem nas mãos de governos estrangeiros é o mesmo. Na verdade isto é um erro. Enquanto Ericsson, sueca, e Nokia, finlandesa, são empresas privadas sediadas em países livres e democráticos, onde existem judiciários independentes, no caso da Huawei, estamos falando de uma empresa paraestatal, oriunda de um país ditatorial que controla e monitora o judiciário.

A lista de países que optaram por blindar seus sistemas da Huawei tem aumentado ao longo tempo. Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Japão, Estados Unidos, Itália, República Tcheca, Polônia, Estônia, Romênia, Dinamarca, Letônia, Grécia e mais recentemente França tem se movimentado no sentido de afastar-se da solução chinesa e buscar parceiros mais confiáveis.

Neste espectro surge o que se convencionou chamar de Open RAN (Open Radio Access Network). Uma tecnologia desenvolvida pela Telefônica espanhola e a Rakuten japonesa que usa uma plataforma aberta e inteligência artificial. O sistema já está sendo testado no Brasil, Alemanha, Espanha e Reino Unido. A Huawei não fornece o core desta solução, uma vez que a tecnologia não precisa de apenas um fornecedor. Uma opção que deixa o sistema livre, democrático mais aberto a competição.

Como vemos, os caminhos para a hegemonia de Pequim passam por uma profunda estratégia política internacional. A China tem usado seu poderio econômico e laços de dependência comercial que criou ao longo dos anos como arma para consolidar sua liderança. O 5G é um lance ousado que aumentará a dependência de qualquer nação que opte por se associar ao país oriental e seu braço comercial, a Huawei. O Brasil tem o direito de optar, preservar sua autonomia e soberania, sem submeter seu futuro às ordens emanadas de Pequim.

Márcio Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil. Diretor-Executivo do Interlegis no Senado Federal

Notícias Relacionadas

Artigos

Como melhorar a segurança e experiência do cliente em centros comerciais?

Por Ronney Amorim, Gerente de Produtos da Hikvision do Brasil Estamos imersos na era digital e a constante evolução da…

Destaque

Busca por sistemas de alarmes cresce 23% nos primeiros meses de 2024, de acordo com a Verisure

Crescente preocupação com a segurança residencial e de pequenos negócios gera impactos positivos nos setores de segurança eletrônica e seguros…

Destaque

Nobreaks se tornam equipamento fundamental no monitoramento urbano

Com o crescimento das cidades conectadas ou SmartCities, dispositivos como câmeras, sensores e centrais de processamento de dados, entre outros,…