Como um projeto arquitetônico pode contribuir para a prevenção de crimes

Conceito desenvolvido há cinco décadas utiliza ambientes físicos e estudo sobre a comunidade para criar locais mais seguros e melhorar a qualidade de vida da população

Por Fernanda Ferreira

Já ouviu falar de CPTED? O conceito, que tem origem em estudos de criminologia, identificou que o desenho arquitetônico e urbanístico e o comportamento humano em uma comunidade afetam as condições de violência e crime de uma região.

Para entender melhor sobre esse assunto e como o CPTED funciona, conversamos com a arquiteta Dra. Macarena Rau Vargas, presidente da ICA – Associação Internacional CPTED, e com o arquiteto Percival Campos Barboza, especialista em projetos arquitetônicos para segurança e CEO da PB+A Arquitetura da Segurança.

Revista Segurança Eletrônica: Poderiam explicar de forma detalhada o que seria o conceito CPTED?

Macarena Vargas: O CPTED é um anagrama para Crime Prevention Trought Environmental Design, que em tradução livre é: Prevenção do Crime pelo Desenho do Ambiente (ou Espaço). Trata-se de um movimento internacional para reduzir e prevenir o crime por meio do desenho urbano. Acreditamos na influência que um projeto arquitetônico tem para que ocorra a prevenção de crimes e violência, produzindo segurança.

Ao longo dos anos, esse conceito passou por diversas evoluções e hoje engloba qualidade de vida, percepção de felicidade, satisfação e saúde pública e mental das pessoas que habitam nos locais onde o conceito é aplicado.

Percival Barboza: O objetivo do CPTED é a redução da ocorrência de crimes e do medo do crime em determinada região ou local, através do desenho urbano, em ruas, praças, bairros e edifícios, públicos ou privados, enfocando a prevenção. Quando aplicado das maneiras recomendadas, os resultados invariavelmente – e temos muitas estatísticas sobre isto – são o aumento da qualidade de vida. O crime e o medo do crime são fatores severamente limitantes da qualidade de vida e desenvolvimento saudável das sociedades.

Revista Segurança Eletrônica: Como surgiu o CPTED?

Percival Barboza: O CPTED teve origem em estudos de criminologia, quando foi identificado que o comportamento humano poderia resultar das condições espaciais onde os crimes ocorriam, remetendo assim para o desenho arquitetônico e urbanístico e formando uma base teórica para esta metodologia. O termo CPTED foi proposto pela primeira vez em 1972 pelo criminologista C. Ray Jeffery. Ao mesmo tempo e no mesmo ano, o arquiteto e urbanista Oscar Newman publicou “A Teoria do Espaço Defensável”, onde defende que a territorialidade e a distinção entre espaço público e privado são cruciais para manter a ordem em uma área residencial. Segundo o autor, a territorialidade gera um sentimento de propriedade que aumenta a responsabilidade dos usuários, a vigilância e um sentimento de proteção que pode prevenir o crime.

Entretanto, antes destes autores, em 1961, uma escritora, jornalista e ativista política do Canadá, Jane Jacobs, publicou uma série de reportagens, em que procurou identificar no cotidiano de grandes cidades norte-americanas as razões da violência, da sujeira e do abandono, e concluiu que podemos usar ambientes físicos para reduzir o crime, resultando em seu famoso livro “Vida e Morte das Grandes Cidades Americanas”, com tradução para o português.

Hoje o CPTED é liderado pela ICA – Associação Internacional CPTED, uma organização profissional não governamental dedicada à implementação do CPTED em todo o mundo.

Revista Segurança Eletrônica: Como funciona a associação?

Macarena Vargas: A ICA foi fundada em 1996 com o propósito de criar ambientes mais seguros e melhorar a qualidade de vida através do uso dos princípios e estratégias do CPTED, do estudo sistemático e para congregar profissionais dedicados ao desenvolvimento e aplicação do tema.

A associação inclui planejadores, arquitetos, desenvolvedores, policiais, profissionais de segurança, acadêmicos e outros interessados em incorporar o planejamento de segurança urbana e o CPTED, e hoje já temos mais de 200 membros em 33 países.

Somos a única organização profissional que oferece um programa mundial de certificação baseado em competências para praticantes de CPTED.

Revista Segurança Eletrônica: De que forma o CPTED é aplicado nos projetos, ou seja, como é possível gerar essa segurança e qualidade de vida?

Macarena Vargas: A metodologia CPTED é baseada na criminologia ambiental e nela são utilizados cinco princípios universais que se aplicam localmente, que são:

• Controle Natural de Acessos: promover um desenho do ambiente onde o número de acessos a determinadas áreas sejam reduzidos a menor quantidade possível e estejam posicionados onde possam ser observados naturalmente pelo maior número possível de usuários locais.

• Vigilância Natural: propõe aumentar a visibilidade sobre um espaço através de uma localização adequada, design de janelas, iluminação e paisagismo. Além disso, busca aumentar a capacidade de moradores de observarem as atividades que ocorrem no seu ambiente, o que oferece a oportunidade de modificar comportamentos inadequados ou denunciá-los à polícia ou ao proprietário do imóvel, aumentando assim a possibilidade de inibir o crime, tornando o comportamento do potencial agressor facilmente perceptível.

• Manutenção: é a necessidade de manter os espaços e seus elementos limpos, cuidados e em funcionamento. O que soa abandonado parece que não tem dono, não há quem cuide e se coloca sujeito a depredação e deterioração.

• Reforço Territorial: o desenho dos espaços busca aumentar o sentimento de afeto dos moradores, identificando atividades seguras em áreas e redes potencialmente inseguras em que podem atingir esse efeito. Desta forma, aumentam não apenas o uso, mas também a manutenção da área.

• Participação Comunitária: considera-se que o morador urbano tem uma memória de origem em sua experiência espacial da região ou unidade que habita, tornando-o um especialista que contribui consideravelmente para o desenho urbano.

Percival Barboza: Eu diria que os fundamentos das abordagens CPTED, como expostos pela Macarena acima, são intimamente ligados a fatores da natureza humana. Comportamentos como, ver e ser visto, reconhecer e ser reconhecido, fazer parte de um grupo ou comunidade, senso de território e condições saudáveis de sobrevivência, encontramos em toda a história do desenvolvimento das sociedades humanas, são intrínsecos à nossa natureza e muitas vezes até instintivos. Por isto, a importância da participação dos usuários legítimos no desenvolvimento dos projetos que aplicam a metodologia CPTED.

Primeiro é feito um diagnóstico do local, que inclui um levantamento sobre antecedentes sociais, demográficos, perfis, criminologia, estatísticas etc., e depois partimos para um estudo de campo, onde nos relacionamos com as pessoas daquele local, chamados “nativos espertos”. Percorremos os lugares, fazemos observações e conversamos com as pessoas; também é importante envolver, quando é o caso, as crianças no processo para entender como elas enxergam a comunidade em que moram, elas conseguem passar para os profissionais as suas preocupações, problemas, emoções, desejos, e essas questões são interpretadas e assim é possível extrair dados sobre o local para auxiliar no desenvolvimento do projeto. Esta técnica específica se chama Nuvem de Sonhos, e incentiva as crianças a desenharem livremente os seus ambientes, e os desenhos obtidos são analisados em função das manifestações e expressões neles contidas.

Depois dessa fase vem o desenvolvimento do projeto, desenhar o que aquele local necessita, as melhorias que precisam ser feitas em conjunto com a comunidade, até chegar no ponto de ter os custos, a implementação e depois o acompanhamento. Fazemos uma medição em relação aos dados que foram levantados, como isso ocorreu ao longo do tempo e o que essas melhorias resultaram no local.

Quando se trata de espaços públicos, é importante o envolvimento, além da comunidade local, também de autoridades municipais, de agentes sociais e mesmo da polícia, enfim, de todos que contribuem de alguma forma para a vida e a segurança da área. As melhorias a serem feitas nestes locais, por menores que sejam, muitas vezes dependem de verbas públicas, doações privadas ou ambas as coisas combinadas.

Revista Segurança Eletrônica: O CPTED tem como foco projetos públicos ou privados?

Macarena Vargas: Globalmente temos todos os tipos de projetos, tanto públicos como privados. Um projeto CPTED não precisa de muito investimento, pode ser uma grande imersão como também pode ser uma imersão pequena, porque tem a ver com criatividade, colaboração e parcerias. São múltiplas as fontes de participação.

Percival Barboza: No Brasil há diversos projetos CPTED, como em uma comunidade em Olinda, financiada pelo Banco Mundial. Às vezes tem a iniciativa pública e às vezes a privada, como empresas e o próprio cidadão. Na minha caminhada aplicando o CPTED ao longo de 22 anos, tratei muitos projetos com empresas, indústrias e condomínios, utilizando o conceito da defesa e da estrutura física do local.

Revista Segurança Eletrônica: Como um profissional de segurança pode se especializar no conceito CPTED?

Macarena Vargas: Nós somos a única organização mundial que certifica e credencia praticantes CPTED. Para isso há programas de credenciamento e certificação e disponibilizamos online o registro dos consultores certificados, através do site http://www.pbk.cl/campus.

No Congresso Segurança Eletrônica de 2022 realizamos uma cerimônia de entrega de diplomas para a turma do Brasil que realizou o curso da ICA. Eles foram os primeiros estudantes que fizeram o programa e foram aprovados nas 11 matérias essenciais. Com esta certificação, já temos condições de estabelecer também um Capítulo no Brasil. Estamos muito felizes com este resultado e apoiamos a iniciativa dos alunos desta turma neste sentido.

Percival Barboza: Como arquiteto especializado em segurança, eu já estudava muito sobre o conceito CPTED antes de fazer o curso da ICA e aplicava estes conceitos em meus projetos, conforme o meu entendimento, ao longo dos últimos 20 anos. Com o programa Arquitetura da Segurança que começamos em 2020, no Canal do CT Hub, nós atraímos a atenção da ICA através da Macarena, conseguimos que a ICA se envolvesse com o programa e planejamos este primeiro curso CPTED oficial pela ICA no Brasil. Antes não havia nada estruturado. O primeiro passo foi com este curso, e para nossa grata surpresa, tivemos a adesão de um grupo de profissionais que são considerados entre os melhores profissionais de segurança do Brasil.

Agora estamos dedicados a organizar isso no Brasil, em um programa para arquitetos, urbanistas, consultores de segurança, administradores públicos, policiais, agentes sociais, profissionais autônomos, donos de empresa de segurança, entre outros, e o nosso objetivo para 2023 é lançar outros cursos no país, além da formação do Capítulo CPTED BRASIL.

Revista Segurança Eletrônica: Gostaria de deixar um recado final?

Macarena Vargas: O CPTED não é uma arquitetura de colocar muros, muralhas e portões. Muros podem defender a propriedade ou não, mas não é um conceito CPTED.

Na origem o foco do CPTED era no desenho do espaço construído, mas a metodologia evoluiu e incorporou o conceito da participação comunitária na formulação das necessidades de segurança, identificando e ouvindo as pessoas que vivem e conhecem aquele local. Agora estamos na 3ª geração CPTED, com uma teoria ainda mais ampliada, que integra a motivação humana, suas aspirações e necessidades, dentro do conceito de habitabilidade do bairro.

Buscamos criar comunidades, seres humanos que se conectam e se conhecem. Tem a ver com a rede social da comunidade, é muito mais do que o muro que me protege e a arquitetura influencia no comportamento das pessoas. Se tiver um designer fechado, não pode conectar a rede social, cada um vive em uma ilha, é necessário criar praças, parques, para que as crianças se conheçam, as mães se conheçam. Nesse sentido a arquitetura cria uma comunidade, que cria uma rede social de apoio que pode colaborar, por exemplo, com a polícia, porque na vigilância natural, se eu vejo algo fora do normal eu vou denunciar, mas se eu vivo com muros, não quero me conectar com outras pessoas e provavelmente não farei denúncias.

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