Câmeras de reconhecimento facial se multiplicam em São Paulo

Medida é aposta do governo estadual e da prefeitura para a área da segurança pública

A exemplo do que já vem acontecendo ao redor do mundo, as tecnologias que identificam rostos de pessoas em lugares públicos têm se multiplicado em São Paulo — e, a depender da prefeitura e do governo do estado, vão se popularizar de vez nos próximos anos. A gestão de Ricardo Nunes (MDB) promete investir 140 milhões de reais para instalar 20.000 câmeras de reconhecimento facial na cidade até 2024. No Metrô, administrado pelo Palácio dos Bandeirantes, o recurso virou realidade: na Linha 1-Vermelha, 1.381 equipamentos começaram a funcionar em novembro, e o total de “olhos eletrônicos” no sistema de transporte deve chegar a 5.088 em dois anos. Outros lugares públicos, como o Parque Ibirapuera, também adotaram recentemente a tecnologia, que se viu no centro de um edital municipal no início do mês.

Enquanto as câmeras tradicionais apenas captam imagens, as de reconhecimento facial conseguem identificar as pessoas que surgem na tela. Mais que isso: a tecnologia cruza informações extraídas de diferentes bases de dados sobre os cidadãos. Por exemplo: uma câmera de rua integrada aos registros da Polícia Civil poderia emitir um alerta caso algum procurado pela Justiça passasse naquele local.

A prefeitura publicou um edital para contratar uma empresa que forneceria as câmeras e softwares de reconhecimento à cidade, parte de um amplo projeto de monitoramento chamado Smart Sampa. Inicialmente, o documento previa que as câmeras iriam identificar o rosto das pessoas, a cor da pele e até “situações de vadiagem”. Após críticas justas, o último termo foi retirado do documento. Mas os protestos de parlamentares de oposição e de entidades ligadas à proteção da privacidade continuaram e, na sexta-feira (2), a gestão municipal suspendeu o pregão. Agora, prepara-se para reformular o edital, detalhando melhor o sistema e explicando as garantias à proteção das informações dos paulistanos.

A despeito desses problemas, o projeto da prefeitura tem méritos inegáveis e será um curto-circuito no bom senso qualquer tentativa de impedir esse progresso, desde que se façam realmente as correções e acréscimos necessários ao edital. O secretário adjunto de Segurança Urbana, Junior Fagotti, afirma que a ideia é substituir o City Câmeras, que tem uma tecnologia obsoleta, por um sistema mais inteligente. O City Câmeras surgiu em 2017. Tinha o objetivo de ligar 20.000 câmeras instaladas em ruas pela prefeitura ou pela sociedade civil a uma única central, o que permitiria um “Big Brother” da cidade em tempo real, com a exibição das imagens na internet. Na prática, chegou a 3.600 câmeras, sendo que 1.000 foram bancadas pelo município. Desde o ano passado, a transmissão on-line está suspensa para a reformulação do projeto.

É quando surgiu a ideia do Smart Sampa. “Hoje, um agente consegue ver somente quatro câmeras, sem alto nível de precisão ou inteligência de sistema. Ele não pode, por exemplo, voltar rapidamente a imagem para revê-la”, explica Fagotti. “O Smart Sampa é uma proposta de modernização. Através das imagens você pode melhorar serviços, como informar ao cidadão que uma UBS (Unidade Básica de Saúde) está lotada, assim como um ônibus que chega ao ponto”, ele diz. “Em uma cidade do tamanho de São Paulo, a tecnologia não pode mais ser descartada no serviço público”, afirma. O motivo da suspensão do edital, segundo Fagotti, é a decisão de incluir no documento os protocolos do projeto e detalhar as regras de proteção de dados. A pasta entende que não havia necessidade de explicitar os termos na fase de contratação do serviço, mas as críticas provocaram um recuo para “mitigar quaisquer questionamentos”, diz.

Ainda que o secretário cite possíveis usos para a saúde ou o transporte urbano, o sistema evidentemente será focado na segurança pública, por motivos óbvios. Na prática, o reconhecimento facial do Smart Sampa será usado principalmente para identificar procurados pela Justiça, pessoas desaparecidas e situações que demandem abordagens da polícia. O sistema será integrado aos dados policiais e da prefeitura. Atualmente, um guarda civil ou militar tem acesso a imagens de procurados em aparelhos nas viaturas. Caso aborde um suspeito, faz a checagem para verificar se é a mesma pessoa. Com a nova tecnologia, o próprio sistema vai analisar o banco de dados e cruzá-lo com imagens de pessoas na rua para emitir um alerta.

Experiências em cidades do Brasil e do exterior mostram que o procedimento pode ter falhas, como identificar suspeitos erroneamente e gerar detenções injustas. Fagotti admite a possibilidade de equívocos, mas afirma que a questão não foi ignorada na concepção do Smart Sampa. “A gente viu o que aconteceu (em outros lugares) e estruturou o projeto para zerar o problema”, ele diz. Duas medidas vão evitar os erros, segundo o secretário adjunto. Primeiro, será preciso no mínimo 90% de similaridade entre a imagem captada e o rosto do banco de dados para soar um alerta. Além disso, se a pessoa filmada se parecer com mais de um indivíduo nos registros, a suspeita será automaticamente descartada. “Antes de o aviso ser emitido, existirá ainda uma avaliação humana”, acrescenta.

Sobre o suposto viés racial dos algoritmos, ele lembra que a própria secretária da pasta, Elza Paulina de Souza, é uma militante do combate ao racismo estrutural. Outro ponto questionado por especialistas é o nível de acesso da empresa que produz a tecnologia aos dados dos cidadãos. A prefeitura promete que o fabricante não terá qualquer informação, apenas os agentes públicos — e haverá rastreamento dos acessos. Há ainda um compromisso de divulgar periodicamente relatórios de erros e acertos do sistema.

Em novembro, o Metrô começou a usar câmeras de reconhecimento facial nas estações da Linha Vermelha. O plano é instalar 5.088 equipamentos até abril de 2024. A justificativa é que passageiros têm sido alvos de roubos e furtos cada vez mais frequentes nos trens e plataformas. O uso da tecnologia chegou a ser questionado na Justiça. Em março, uma liminar proibiu a companhia de aplicar a solução. Em outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu um recurso e liberou o projeto. Mas o processo não terminou e a corte ainda vai analisar se a vigilância viola ou não o direito à privacidade dos usuários.

Silvani Pereira, presidente do Metrô, afirma se tratar apenas de uma atualização das câmeras que já funcionam desde o ano 2000 nas estações. “O sistema anterior (sem reconhecimento facial) já capturava a imagem das pessoas, que ficava armazenada. Mas, se tivesse uma ocorrência, os profissionais precisariam vasculhar os registros para tentar identificar alguma ilegalidade. O novo sistema faz isso automaticamente”, ele explica. “Suponha que você quer encontrar um animal ou uma pasta perdida. Caso tenha uma fotografia daquilo que procura, é só inseri-la no sistema e, se estiver em alguma estação ou se alguém estiver usando o objeto, ele consegue identificar”, afirma.

O projeto do Metrô está em fase de aprimoramento. A ideia é firmar um convênio com a Secretaria de Segurança Pública e com a prefeitura para utilizar as bases de dados de pessoas procuradas pela Justiça e desaparecidas. Silvani rechaça a ideia de que haja algum viés racial nas tecnologias. “Investimos 58 milhões no projeto. Ninguém irá fazer um investimento desses no setor público para fazer discriminação racial. Acho pouco sensato quem utiliza esse argumento”, afirma.

Como ocorre com qualquer nova tecnologia, principalmente uma que envolve questões sensíveis ligadas à segurança e à privacidade, alguns casos geram polêmica e acabam parando nos tribunais. Em maio de 2021, a ViaQuatro, que administra a Linha 4-Amarela do metrô, foi condenada a pagar 100.000 reais de indenização por instalar um sistema de câmeras que reconhecia o rosto e identificava a idade, o gênero e até a reação das pessoas frente a anúncios publicitários nas estações. A concessionária afirma que recorreu da decisão e que o sistema “não coletava dados pessoais, não possuía memória ou qualquer ligação com banco de dados que permitisse o reconhecimento facial ou a identificação dos usuários”, apenas se restringia a “determinar atributos das imagens para fins de publicidade”. Outro caso emblemático envolveu a marca Hering, multada pela Secretaria Nacional do Consumidor em 2020 por ter coletado dados dos clientes sem autorização na loja do Morumbi Shopping, com um sistema de câmeras e sensores que captavam as reações dos consumidores às peças expostas.

Polêmicas parecidas ocorrem em outros países, mas sem força suficiente para impedir os avanços da tecnologia.

Em boa parte dos casos, aliás, o problema não está no sistema em si, mas no mau uso que se faz dele. Marina Garrote, pesquisadora do Data Privacy Brasil, lembra que, em Buenos Aires, na Argentina, uma investigação revelou que um programa de reconhecimento facial que buscava identificar procurados pela Justiça foi usado para espionagem e até mesmo os dados biométricos do presidente Alberto Fernández foram extraídos do sistema pela Secretaria de Segurança da cidade. Neste ano, o programa foi declarado inconstitucional pela Justiça do país.

Um dos principais desafios dessa tecnologia, daqui para a frente, é mostrar-se cada vez mais eficiente no uso em larga escala do sistema. Qualquer erro é capaz de produzir injustiças e constrangimentos enormes e, apesar dessas falhas serem estatisticamente bem menores que as taxas de acerto, são esses casos que chamam atenção e alimentam a gritaria contra as máquinas, sobretudo nas redes sociais. “Existem casos conhecidos de vieses discriminatórios, por problemas de acuracidade contra negros e mulheres”, lembra Juliana Abrusio, sócia da área de direito digital e proteção de dados do Machado Meyer Advogados. “Estudos mostram que os algoritmos de reconhecimento facial tendem a errar mais com pessoas negras, especialmente mulheres negras”, completa Pablo Nunes, doutor em ciência política e coordenador do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania.

Por outro lado, o reconhecimento facial já é amplamente usado em situações como acessos a aparelhos eletrônicos ou a ambientes controlados. “A tecnologia coleta dados associados ao rosto e a expressões faciais e transforma imagens em expressões numéricas, que podem ser comparadas para determinar similaridade”, diz Marcio D’Avila, especialista da CertiSign, empresa que desenvolve esse tipo de tecnologia. O mecanismo é usado com sucesso para desbloquear celulares, acessar aeroportos (como substituição de passaportes), rastrear a frequência de alunos e funcionários e conectar-se a redes sociais. E, claro, em incontáveis situações de extrema importância, também para reconhecer criminosos. Por isso, a vigilância high-tech já é uma realidade em muitas metrópoles do mundo e, com os devidos ajustes e aprimoramentos, tende a trazer ainda muitos mais benefícios a uma cidade como São Paulo.

Fonte: Veja SP

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