Vigilância eletrônica na pandemia pode se tornar ameaça à privacidade no futuro

“Instruções relativas à epidemia da COVID-19: todos os movimentos fora de casa estão proibidos, a não ser em casos excepcionais. Por favor, mantenham espaço de segurança de ao menos um metro entre cada pessoa.”

A mensagem vem dos alto-falantes de um drone, mas não é uma cena de um filme de ficção sobre um futuro distópico. As máquinas que ordenam que humanos voltem para suas casas são parte de um cenário real: o calçadão à beira-mar na cidade de Nice, França, na semana passada.

A pandemia do novo coronavírus tem levado cada vez mais governos a buscarem soluções tecnológicas para enfrentar um desafio sobre o qual pouco se sabe e para o qual não existe remédio ou vacina. Especialistas em direitos humanos e cybersegurança ouvidos pelo GLOBO alertam sobre as consequências do uso de tecnologias de vigilância em massa para o futuro do direito à privacidade no mundo pós-coronavírus.

A França não é o único país europeu a empregar drones para controlar seus cidadãos. A mesma tecnologia é usada na Espanha e na Bélgica. Prefeitos na Itália seguem o mesmo caminho. Fora da Europa, um departamento de polícia da Califórnia anunciou que fará o mesmo.

Os drones já vinham sendo empregados na China para controlar os movimentos dos cidadãos, além de câmeras de vigilância com reconhecimento facial e um aplicativo para rastrear os infectados. Segundo a Human Rights Watch, o aplicativo foi desenvolvido pela mesma empresa do utilizado para perseguir a minoria uigur, do Noroeste do país.

O aplicativo avisa os cidadãos que tiverem contato com infectados e traça rotas dos contaminados a partir de dados de hospitais e do transporte público. Sophie Richards, diretora de China para a HRW, diz que os aplicativos colhem a temperatura e a localização, além de dar ordens, dizendo se as pessoas podem sair de casa ou não. “Muitas questões são pertinentes sobre o direito à privacidade, mas também sobre o que vai acontecer com todos esses dados quando, se Deus quiser, o coronavírus passar e as autoridades ficarem com quantidades significativas de informações pessoais”.

Na China, as ferramentas de vigilância já eram utilizadas mesmo antes da pandemia. Outros países asiáticos as aplicaram, como Cingapura e Taiwan, onde governos coletam informações de celulares para fazer os cidadãos seguirem as ordens de isolamento.

Na Coreia do Sul, o combate bem-sucedido do novo coronavírus implicou a coleta de dados de geolocalização, compras de cartão de crédito, consumo em farmácias e câmeras de vigilância. Esses dados ficam disponíveis ao público por meio de um aplicativo que permite rastrear os infectados.

Especialistas defendem que a tecnologia pode ser usada para combater o vírus. “A privacidade não é um direito absoluto”, diz Christopher Parsons, do Citizen Lab, laboratório sobre tecnologia da informação, direitos humanos e segurança global da Universidade de Toronto. Ele acredita que há justificativas legítimas pelas quais o direito à privacidade pode ser infringido. Para isso existem os sistemas, processos e mandados judiciais. “A privacidade não deve ser vista como uma barreira para políticas de saúde pública, mas sim como um freio”.

Mapear a localização dos cidadãos gera preocupações, diz Parsons, mas ele argumenta que é possível regulamentar o uso dessas ferramentas para que elas só possam ser empregadas por um período de tempo, por determinadas pessoas e para determinados fins.

“Isso é para prevenir que informações coletadas por serviços de saúde possam ser usadas por forças policiais ou agências de segurança para fins totalmente diferentes”.

A população procura a vigilância em massa porque ela dá uma sensação de conforto, “se alguma coisa der errado, o governo estará lá”, acredita Parsons. Mas tem consequências não previstas, e um dos principais efeitos a ser debatido antes do seu emprego é a eficácia, dado que há pouco tempo disponível para lidar com a situação da epidemia.

— Rastrear alguém usando dados de torre de celular não te dá uma informação precisa sobre onde essa pessoa está.

Esses dados podem, no entanto, ser usados para identificar aglomerações. O pesquisador lembra que, antes da tecnologia, o que fez que os modelos da Coreia do Sul e de Cingapura tivessem êxito foram os testes aplicados em escala massiva pelo governo.

O emprego das tecnologias de vigilância se espalhou pelo mundo. Na Índia, o governo carimba as mãos dos infectados com o tempo obrigatório da quarentena. Governos locais usam dados de telefonia e de localização por GSP de smartphones. As autoridades publicam relatórios detalhados com informações dos infectados.

Na Rússia, câmeras de reconhecimento facial vigiam quem está na quarentena obrigatória. O governo também ordenou o desenvolvimento de um sistema para rastrear pessoas que tiverem entrado em contato com contaminados, usando geolocalização de celular.

O governo de Israel adotou técnica similar para vigilância de telefones. A medida permitirá ao serviço de Inteligência infiltrar os celulares de pessoas infectadas e rastrear seus passos, mesmo antes do diagnóstico. Políticas de vigilância como essa já eram usadas no combate ao terrorismo. A ideia é alertar quem estiver a até dois metros de uma pessoa infectada por ao menos 10 minutos. O governo também lançará um aplicativo para que a população tenha acesso aos dados.

O governo alemão também propôs utilizar o rastreamento digital para isolar pessoas com coronavírus. A proposta seria para seguir o método utilizado na Coreia do Sul, usando dados de localização dos telefone para identificar quem entrou em contato com infectados.

Países com menos acesso a tecnologia de ponta usam técnicas alternativas. O governo da Polônia pede para que os cidadãos enviem selfies para verificar se estão cumprindo a quarentena.

Os atentados do 11 de setembro de 2001 são apenas um dos exemplos citados por pesquisadores para argumentar que, muitas vezes, medidas tomadas em momentos excepcionais acabam se tornando permanentes.

“Depois dos ataques do 11 de Setembro, o governo americano, assim como outros ao redor do mundo, empregaram aparatos de vigilância muito extensos. E o Brasil foi uma das partes atingidas pela vigilância da NSA (Agência de Segurança Nacional). Essas ferramentas não diminuíram depois. Não há nenhuma razão para ter expectativa de que elas irão embora”.

Muitas das tecnologias de vigilância já vinham sendo usadas e comercializadas em larga escala, principalmente a partir da China e da Rússia, para mais de cem países. Esse é o tema do estudo do pesquisador em cibersegurança da Universidade de Oxford, Valentin Weber.

“Os dados já estavam lá, nas empresas privadas. A diferença é que agora eles estão sendo compartilhados com o governo. Muitas vezes sem ordem judicial”, diz Weber. “Existe o perigo de que essas novas medidas na Europa, que não estavam em vigor antes, sejam normalizadas. E que, depois que a crise termine, elas continuem a ser usadas”.

O pesquisador acredita que usar a tecnologia para mitigar os efeitos do vírus não é “necessariamente ruim”. Em países como Áustria, Alemanha, Itália e Reino Unido, as discussões sobre a utilização desses instrumentos têm sido feitas tentando preservar a identidade dos usuários, ainda que “anonimizar os dados seja difícil”.

China e Rússia têm usado o momento para justificar seus sistemas e legitimar ações de forte vigilância que já vinham adotando, diz o pesquisador. Mas ele acredita que, em democracias, onde há transparência e separação de poderes, excessos do poder Executivo podem ser freados.

Edward Snowden, o ex-analista da NSA que denunciou o sistema de vigilância global do governo americano, é mais cético. Ele argumentou, em uma entrevista recente a um jornalista dinamarquês, que as consequências das decisões que serão tomadas agora são permanentes.

“Quando vemos medidas emergenciais sendo tomadas, ainda mais hoje em dia, vemos que elas tendem a se manter. A emergência se expande. E aí as autoridades ficam confortáveis com o novo poder. E começam a gostar dele”.

Fonte: O Globo

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