Startup desenvolve sistema de reconhecimento facial através do DNA
A Startup isralense Corsight AI está desenvolvendo um sistema de reconhecimento facial, utilizando o DNA, para gerar o rosto de determinado indivíduo.
O sistema, de acordo com a startup, visa solucionar problemas relacionados à segurança pública. A startup israelense, especializada em reconhecimento facial, é uma subsidiária da Cortica, conhecida pelo desenvolvimento de inteligência artificial para carros.
“Um policial em uma cena de homicídio em que não há testemunhas oculares, nem registro de câmeras, motivos ou suspeitos, mas apenas um fio de cabelo na manga da jaqueta da vítima. Desse modo, o DNA das células de um filamento é copiado e comparado em um banco de dados, mas não há nenhuma correspondência e a investigação é encerrada”.
Portanto, a Corsight revelou, dezembro do ano passado, o produto “DNA to Face”, visando obter financiamento de investidores americanos. De acordo com a startup, o sistema “constrói um perfil físico ao analisar materiais genéticos coletados em uma amostra de DNA”.
O foco da startup, de fato, é aplicar o sistema de reconhecimento facial pelo DNA em áreas da segurança pública. Aliás, o conselho da subsidiária é formado pelo ex-diretor da CIA, James Woolsey, e por um diretor assistente do FBI.
Entretanto, especialistas do ramo consideram tal possibilidade algo cientificamente inalcançável. Isso porque a ciência para sustentar esse sistema ainda não existe. Além disso, especialistas consideram que o produto iria causar problemas ainda maiores na tecnologia de reconhecimento facial nos sentidos éticos, de privacidade e de vieses.
Outro fator consideravelmente preocupante é que o sistema de reconhecimento facial, utilizando o DNA, denota as ambições da indústria para o futuro. Ou seja, tecnologias de reconhecimento facial se tornarão apenas mais um instrumento para ampliar a detecção e monitoramento de pessoas através de qualquer meio.
Donald Maye, diretor de operações da IPVM, a maior firma de pesquisa sobre tecnologias de segurança, afirmou que “antes da apresentação [da Corsight], a IPVM não sabia da existência de nenhuma tentativa por parte de alguma startup em comercializar um produto de reconhecimento facial associado a amostras de DNA”.
O problema do reconhecimento facial através do DNA
Em 2017, Dzemila Sero, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciências da Computação e Matemática da Holanda, afirmou que a ciência para garantir tal sistema de reconhecimento facial via amostras de DNA ainda não está totalmente desenvolvida.
Segundo a pesquisadora, o catalogo de genes necessários para reproduzir rostos com precisão, através do uso de DNA, ainda está incompleto.
Outros fatores que atrasam esse desenvolvimento estão atrelados ao meio ambiente e ao envelhecimento, que causam efeitos substanciais nos rostos das pessoas e, portanto, não podem ser capturados através da fenotipagem via DNA.
Além disso, a pesquisadora afirma que “tentativas prematuras”, como a da startup israelense, de implementar sistemas de reconhecimento facial via DNA podem enfraquecer o apoio e a confiança da sociedade nas pesquisas genômicas.
Outras empresas já tentaram implementar a mesma tecnologia
Há alguns anos, já aconteceram algumas empreitadas similares na área de reconhecimento facial a da Corsight, mas em escalas menores. EM 2017, a startup Human Longevity afirmou conseguir prever rostos utilizando amostras de DNA, mas, assim como a tecnologia de reconhecimento facial da startup israelense, esse produto foi considerado duvidoso por especialistas.
A proposito, um ex-funcionário da Human Longevity afirmou que a tecnologia da empresa não era capaz de reconhecer o rosto de uma pessoa em uma multidão. Assim como o ex-funcionário, o diretor de ciência da plataforma MyHeritage, Yaniv Erlich, publicou um artigo cientifico relatando as principais falhas do produto.
Outro caso famoso é da Parabon NanoLabs, companhia de biotecnologia que fornece às forças de segurança pública características de pessoas através de amostras de DNA.
A Parabon utiliza o produto Snapshot, que inclui a genealogia genética e também renderizações em 3D dos rostos capturados. Porém, as combinações geradas pelo sistema da Parabon incluem várias características fenotípicas, como a cor dos olhos e da pele, gerando uma espécie de pontuação de garantia.
Por exemplo, uma combinação pode apontar haver 80% de chances do procurado pela polícia ter olhos azuis. Além disso, designers forenses aperfeiçoam as amostras para criar modelos faciais finalizados que incorporam descrições de fatores não genéticos, como o peso, idade e tamanho.
Startup israelense precisa de novas descobertas científicas para seu sistema de reconhecimento facial
De acordo com o site da Parabon, o software da companhia auxilia na conclusão de casos criminais semanalmente. Ellen McRae Greytak, diretora de bioinformática da empresa, afirma, ainda, que o sistema já solucionou mais de 200 casos nos últimos anos, embora a maioria foi concluída através do uso da genealogia genética em vez da análise de amostras.
A Parabon posta em seu site alguns dos casos que a empresa auxiliou na investigação criminal.
Entretanto, a Parabon não mistura a tecnologia de reconhecimento facial com o serviço de fenotipagem, especificando que as forças de segurança não devem utilizar asa imagens geradas através das amostras de DNA como uma ferramenta para sistemas de reconhecimento facial.
“A nossa tecnologia não informa o número exato de milímetros entre os olhos ou a proporção entre a distância dos olhos, nariz e boca”, afirma Greytak. Portanto, sem esse nível de precisão, os algoritmos de reconhecimento facial não conseguem reproduzir resultados fiéis.
Como dito acima, não há, ainda, algoritmos de reconhecimento facial que consigam ser tão precisos, sobretudo, analisando amostras de DNA.
Sendo assim, a Corsight dependeria de novas descobertas científicas para obter análises mais precisas de DNA ao usá-lo em tecnologias de reconhecimento facial, ou do incentivo do Estado.
Afinal de contas, nos países desenvolvidos, o uso de sistemas de reconhecimento facial por forças policiais se populariza cada vez mais.
Demonstração de um sistema de reconhecimento facial criado para forças de segurança em uma conferência de tecnologia em Washington. Pela imagem, é possível perceber que o sistema utiliza ferramentas da NVIDIA. Créditos: David LeBlanc
Em 2019, um estudo do Centro de Privacidade e Tecnologia da Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown constatou que, pelo menos, seis agências policiais nos EUA “permitem e até mesmo encorajam” o uso de designs gerados por computadores como fotos de amostragem para sistemas de reconhecimento facial.
Alguns especialistas já alertaram que esse processo pode gerar baixos níveis de precisão.
Corsight já foi alvo de críticas por “exagerar” na precisão do reconhecimento facial
Por falar em níveis de precisão, recentemente, a Corsight foi alvo de críticas por exagerar nas funcionalidades e no nível de precisão de seu sistema de reconhecimento facial.
De acordo com a startup de Israel, esse sistema, embora não seja o de DNA, é a ferramenta de reconhecimento facial “mais ética para uso em condições altamente desafiadoras”.
Segundo o CEO da startup, o sistema de reconhecimento facial pode identificar “alguém que esteja usando máscara”. No entanto, o IPVM reportou que esse sistema alcançou uma taxa de confiabilidade de 65%.
Desse modo, o uso da tecnologia de reconhecimento facial por forças de segurança é “particularmente frágil”, acarretando sua proibição em grandes cidades dos EUA, como San Francisco e Boston.
Reconhecimento facial pode ser banido da Europa
Além disso, grandes empresas, como a Amazon e Microsoft, pararam de vender produtos de reconhecimento facial a forças policiais. A IBM foi ainda mais radical e retirou do mercado o seu software.
No mês passado, Mark Zuckerberg anunciou que o Meta, antigo Facebook, iria desativar a ferramenta de reconhecimento facial em suas plataformas.
Futuro da tecnologia de reconhecimento facial
Apesar dos fatores citados acima, sobretudo o abandono do uso por parte de grandes empresas, o mercado das tecnologias de reconhecimento facial está em crescimento.
O caso da Corsight, como vimos, é apenas mais um dentre inúmeros serviços que oferecem sistemas similares de reconhecimento facial.
No entanto, parte desses novos produtos pretendem integrar o reconhecimento facial com outra forma de identificação. Um exemplo é a companhia NtechLab, da Rússia, que oferece sistemas que identificam pessoas baseadas nas placas de seus carros, bem como nas suas características faciais.
O sistema do NtechLab, que reconhece até mesmo a placa do veículo. Créditos: H. Makarov
Em sistemas desse tipo, o reconhecimento facial torna-se uma parte de um aparato que pode identificar as pessoas através de uma gama de técnicas, mesclando informações pessoais através de bancos de dados conectados que geram um pan-óptico de dados, ou seja, possibilitando uma visão total das informações pessoais.
Desse modo, como aponta o estudo do IPVM, o sistema de reconhecimento facial através do DNA é “aparentemente uma tentativa da Corsight em criar um acervo de ferramentas de vigilância para oferecer a compradores potenciais”.
A Polícia Federal do Brasil é uma das instituições que utilizam o sistema da Corsight
No entanto, mesmo com o crescimento do mercado, conforme afirma o IPVM, essas empresas podem aumentar o risco da comercialização de tecnologias de vigilância com tendências preconceituosas e imprecisas.
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