Sistema de vigilância digital: combate o coronavírus, mas ameaça a privacidade e a liberdade

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor na Universidade de Berlim, é atualmente o pensador asiático de maior sucesso no ocidente. Crítico das redes sociais e da sociedade contemporânea, suas declarações “viralizam” e suas publicações figuram entre os conteúdos mais lidos. Em 22 de março último, o filósofo publicou no El País um artigo intitulado “O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã” com enorme repercussão nas mídias digitais, inclusive no Brasil.

Byung-Chul Han, aparentemente, não é crítico em relação aos sistemas de vigilância e controle. O filósofo argumenta que uma das vantagens da Ásia no combate à epidemia são seus sistemas de vigilância digital, particularmente na China e Coreia do Sul. Segundo ele, o sistema da China permite lidar melhor com a epidemia, por outro lado, as leis de proteção de dados agravam o quadro da Europa: “Pode-se dizer que as epidemias na Ásia não são combatidas apenas por virologistas e epidemiologistas, mas sobretudo por cientistas da computação e especialistas em big data. Uma mudança de paradigma sobre a qual a Europa ainda não aprendeu”.

Com suas 200 milhões de câmaras equipadas com sofisticadas tecnologias de reconhecimento facial, na China o controle é praticamente total. Sua eficiência, em parte, é função do compartilhamento irrestrito dos dados dos cidadãos entre os provedores de telefonia e internet e os órgãos do governo. No auge da crise do coronavírus, o mundo assistiu, alguns perplexos, câmaras equipadas com medidores de temperatura do corpo humano interceptando chineses na entrada do metrô, por exemplo, e os conduzindo para triagem. Os drones, igualmente espalhados pelas ruas, detectavam se um cidadão, supostamente em quarentena, saiu de casa; nesse caso, os próprios drones ordenavam seu retorno imediato.

Um novo software, obrigatório nos smartphones chineses, identifica quem deve ou não ser colocado em quarentena ou liberado para o transporte público. A primeira experiência desse código aconteceu na cidade de Hangzhou (sede da Alibaba e de seu “braço” financeiro Ant Financial), hoje já implantado em 200 cidades e, em breve, em todo o país. Criado pela gigante de tecnologia Alibaba, o software recebeu a denominação de “Código de Saúde Alipay”: a cor do código indica o estado de saúde do dono do dispositivo. Após o usuário preencher um formulário na Alipay com detalhes pessoais, o software gera um código QR em uma das três cores: verde, liberado; amarelo, em casa por sete dias; e vermelho, quarentena de duas semanas. Em Hangzhou, é quase impossível se locomover sem mostrar o código Alipay (98,2% da população da província província de Zhejiang, cuja capital é Hangzhou, deram código verde; quase um milhão de pessoas, códigos amarelos e vermelhos). O jornal New York Times (In Coronavirus: Fight, China Gives Citizens a Color Code, With Red Flags, 01/03/2020) analisou o código do software e descobriu, contudo, que o sistema igualmente compartilha informações com a polícia, parceiro chave no projeto, representando uma nova modalidade de controle social (ainda não está claro se é conjuntural ou permanente).

Como usual na China, não há transparência sobre os critérios de classificação do software. Visando facilitar o entendimento dos ocidentais, os autores do artigo do NYT usaram uma analogia: “Nos Estados Unidos, seria semelhante aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, usarem os aplicativos da Amazon e do Facebook para rastrear o coronavírus e, em seguida, compartilhar silenciosamente as informações do usuário com o escritório do xerife local”. Para Maya Wang, pesquisadora da Human Rights Watch na China “O surto de coronavírus está provando ser um desses marcos na história da disseminação da vigilância em massa na China”. No entanto, corroborando a visão de Byung-Chul Han, parece que os chineses não estão preocupados com os efeitos sobre a privacidade num cenário pós epidemia: as empresas e o governo já possuem todos os seus dados, e o governo já os utiliza para exercer controle sobre a população.

A efetividade dos sistemas de vigilância sobre a epidemia do covid-19 tem estimulado governos de vários países à flexibilizar as legislações de proteção de dados pessoais (ao menos enquanto durar a epidemia). Em Israel, num primeiro teste, cerca de 400 pessoas receberam uma notificação do Ministério da Saúde com o alerta de proximidade de uma pessoa com resultado positivo para o vírus. Nos EUA o governo solicitou ao Facebook e ao Google acesso aos dados de localização de seus usuários visando avaliar se os mesmos estão respeitando as distâncias recomendadas (Fonte: Washington Post); e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (Department of Health and Human Services) anunciou a suspensão de multas por violações relacionadas aos padrões de privacidade de dados de saúde, facilitando a atuação dos médicos. O governo inglês firmou uma parceria com a operadora de telefonia móvel O2: por meio da análise de dados anônimos de localização de smartphone, pretende checar se seus usuários estão seguindo as diretrizes de combate ao vírus.

A Assembléia Global de Privacidade – GPA-Global Privacy Assembly, fundada em 1979, tem mais de 130 membros e é o principal fórum global de proteção de dados e autoridades de privacidade – identificou mudanças relacionadas à privacidade de dados em pelo menos 27 países; a GPA está atenta para conter os potenciais abusos. Ao tomarem essas decisões, as autoridades de proteção de dados em todo o mundo estão priorizando vidas em detrimento da privacidade.

Dentre inúmeros problemas que a sociedade enfrentará pós-epidemia, inclui-se o desafio de retroceder os sistemas de vigilância, ao menos, aos níveis anteriores a epidemia, evitando ampliar o controle dos governos sobre seus cidadãos, clara ameaça à privacidade e à liberdade.

Notícias Relacionadas

Artigos

Como melhorar a segurança e experiência do cliente em centros comerciais?

Por Ronney Amorim, Gerente de Produtos da Hikvision do Brasil Estamos imersos na era digital e a constante evolução da…

Destaque

Busca por sistemas de alarmes cresce 23% nos primeiros meses de 2024, de acordo com a Verisure

Crescente preocupação com a segurança residencial e de pequenos negócios gera impactos positivos nos setores de segurança eletrônica e seguros…

Destaque

Nobreaks se tornam equipamento fundamental no monitoramento urbano

Com o crescimento das cidades conectadas ou SmartCities, dispositivos como câmeras, sensores e centrais de processamento de dados, entre outros,…