Segurança em estacionamentos e estações de carga para carros elétricos

Por Marcelo Valle, diretor executivo da Mvalle Tech

Os carros elétricos são os queridinhos do mercado de tendências. Movidos a bateria de lítio, os “carros verdes” têm potencial de reduzir quase 30% a emissão de gás carbônico, responsável pelo aquecimento global. Portanto, o futuro do transporte diário é elétrico!

Com mais de 16 milhões de veículos elétricos em circulação no mundo, o Brasil pretende chegar a 100 mil até o final do ano. No mesmo caminho, segue a infraestrutura de carregamento, vital para apoiar a transição para um transporte de baixa emissão de carbono, com estações de carga instaladas nos locais onde moramos, trabalhamos ou nos divertimos.

Contudo, a nova tecnologia envolve uma emergente ameaça que vem chamando a atenção e desafiando a comunidade internacional. Sem regulamentação específica, estabelecimentos como shopping centers e condomínios confiam nos sistemas convencionais de proteção instalados conforme o projeto de incêndio, se sentindo seguros e a maioria alheio ao perigo que esta ameaça representa.

Embora o Brasil ainda não tenha registrado uma ocorrência grave, é inegável que com o amento da frota nacional teremos em breve um incêndio impactante.

Por tudo isso, neste artigo apresento a importância de se adotar um planejamento de segurança nos estacionamentos e estação de carga para carros elétricos. Começo pelos motivos que tornam os incêndios em carros elétricos perigosos, depois mostro como monitorar e detectar o incêndio antes que aconteça, em seguida como proteger as estações de e carga do risco elétrico e os meios de controle do incidente, e finalizo com as nossas considerações.

Porque incêndios em carros elétricos são perigosos

63.08% dos incêndios em baterias de lítio, estudados no todo mundo entre os anos de 2010 e 2020, ocorreram quando os carros elétricos estavam estacionados. Em 26.15%, os carros estavam parados e conectados a uma estação de carga. Somente 1 caso teve como causa a instalação elétrica inadequada, provavelmente por não estar conforme às normas de segurança.

Numa rápida análise tridimensional do risco de incêndio em baterias de lítio, temos como resultado: uma exposição baixa, em virtude dos sistemas de gerenciamento de segurança instalados nas baterias de lítio; severidade alta, em razão do tipo de incêndio produzido em função da fuga térmica; e vulnerabilidade alta, por causa dos sistemas convencionais serem ineficazes.

O resultado das três dimensões suscita a adoção de um planejamento eficaz de segurança para reduzir a vulnerabilidade, com base em 3 pilares: monitoramento e detecção prévia; proteção elétrica nas estações de carga e meios de controle do incêndio.

Para viabilizar o planejamento, é preciso entender que os incêndios estão relacionados a um fenômeno chamado fuga térmica, geralmente provocado por um dano elétrico, termoquímico ou mecânico, mais propenso a ocorrer na medida que a bateria de lítio está mais carregada.

A fuga térmica é imparável. Ao atingir em torno dos 60ºC, os componentes da célula da bateria de lítio se degradam e reagem de forma exotérmica, elevando de forma exponencial a temperatura, que afeta outras células no entorno. As reações químicas produzem ainda mais vapores tóxico-inflamáveis, aumentando a pressão interna nas células até que se rompem, projetando detritos e vapores em alta velocidade que produzem um forte ruído.

Os vapores são expelidos formam uma nuvem em expansão volumétrica, que se incendeia em contato com o ar a temperaturas crítica que variam de 400 a 700ºC. O jato de fogo atinge distâncias impressionantes e mais de 1.000ºC, bem maior do que um incêndio em carro a combustão. As chamas e a irradiação térmica afetam qualquer material combustível num raio de 15 metros e os resíduos gerados são contaminantes e corrosivos.

Por esta razão é importante atuar quando a bateria de lítio dá os primeiros sinais de anomalia térmica. Brigadistas e bombeiros civis não estão preparadas para atender este tipo de ocorrência, nem tão pouco se protegerem adequadamente. A chegada dos bombeiros militares também não ajudará muito, pois o incêndio em baterias de lítio se desenvolve rapidamente, e os militares chegarão em um estágio bem avançado. Tudo contribuirá para uma sensação de descontrole e pânico, seguido do sentimento de desconfiança e medo, com o clamor por mais segurança nos estabelecimentos que oferecem estacionamentos com estações de carga para carros elétricos.

Monitoramento e detecção prévia

Os detectores automáticos convencionais não são capazes de identificar a anomalia térmica quando inicia numa bateria de lítio. Uma vez que a fuga térmica começa, não para e o incêndio no carro elétrico é inevitável, com uma resposta tardia e a situação muito difícil de controlar.

A melhor forma de monitorar e detectar previamente as anomalias é identificar aumentos de temperatura com o emprego de câmeras termográficas. É sem dúvida o recurso mais indicado e usado no mundo, pois detecção precoce permite uma resposta rápida e efetiva.

As câmeras termográficas fixas, gerenciadas por sistemas de detecção e alarme de incêndio ou monitoramento de vídeo, devem ser configuradas para detectar padrões térmicos predeterminados e emitir notificações automáticas para a central de alarme. O operador da central de segurança deve ser capacitado para identificar essas anomalias, instaurar os procedimentos de alerta e orientar as equipes em campo.

O monitoramento termográfico pode ser feito com câmeras portáteis, principalmente em estacionamentos, onde o monitoramento por câmeras fixas será dispendioso, uma vez que os carros elétricos não ficam em locais predeterminados, misturados aos demais carros de motor a combustão interna.

Proteção nas estações de carga

É crucial adquirir equipamentos originais, certificados e com suporte disponível. Mesmo o Brasil tendo a ABNT NBR IEC 61851 e as RN 414 e 819 da ANEEL, a instalação dos carregadores deve seguir padrões internacionalmente reconhecidos, que exigem dispositivos automáticos e manuais de proteção contra surtos elétricos provocados na rede, na bateria de lítio ou no circuito do carro elétrico.

A bateria de lítio recebe energia em forma de corrente contínua, mas a maioria dos carregadores fornece corrente alternada por meio da rede elétrica convencional ou painéis solares. A maioria dos carros elétricos pode ser carregado em casa, contando com uma infraestrutura pública para aumentar a autonomia nos trajetos de longa distância.

Variavelmente, existem três níveis de carregamento: básico e semirrápido, ambos com corrente alternada e ultrarrápido com corrente contínua.

O carregamento básico usa o cabo fornecido de fábrica para utilização em tomadas comuns domésticas aterradas. Apesar da facilidade, a taxa de carregamento é lenta e a corrente alternada é convertida em contínua pelo conversor de fábrica instalado no carro elétrico.

O carregamento semirrápido é um dos mais procurados por conta de sua conveniência e 3 vezes mais rápido que o básico. Os consoles instalados em paredes normalmente são vistos em shopping centers e condomínios. A corrente alternada também é convertida em contínua pelo conversor do carro elétrico.

Já o carregamento ultrarrápido de corrente contínua, é usado em situações em que o carregamento veloz é essencial, como nos eletros postos e carports de energia solar. Como a corrente é convertida no próprio hub, possuem mais potência e velocidade de carregamento, alcançando 80% da capacidade da bateria de lítio em alguns minutos.

Um incêndio em bateria de lítio com o carro elétrico conectado a uma estação de carga possui risco de eletrocussão por causa da rede elétrica. Embora o carro seja elétrico, com a bateria de lítio fornecendo de 300 e 400V, seu circuito é fechado e seu sistema de proteção desconecta as células, reduzindo essa toda a “voltagem” à 3,7V.

As estações de carga devem possuir dispositivos automáticos e manuais de segurança. Nos carregadores semirrápidos, um dispositivo de detecção de curto-circuito ou sobrecarga, chamado de Dispositivo de Corrente Residual (RCD) que corta a energia no disjuntor, deve ser instalado entre a central de comutação e a unidade de carga. Por redundância, o disjuntor manual deve ser instalado a cerca de 20 metros da estação de carregamento, deixando seguro o combate com água no carro elétrico.

Já com o carro elétrico conectado a um carregador ultrarrápido de corrente contínua, um sistema de Monitoramento de Corrente Residual (RCM) sensível a fuga de terra, sobrecarga e curto-circuito é requerido. Qualquer instabilidade elétrica causará o corte da energia entre a estação e o carro elétrico. Para o combate com água, a energia deve ser considerada viva no hub e, portanto, deve ser considerada assim até ser desconectada na placa de distribuição ou por meio do disjuntor manual que deve ser instalado a cerca de 20 metros da estação de carga.

Meios para o controle do incêndio

Quando detectada a anomalia térmica, procedimentos de controle devem ser iniciados. Com base nas boas práticas globais, indico 7 técnicas combinada, a serem usadas de acordo com a disponibilidade de recursos.

1. Desconexão da estação de carga;
2. Confinamento;
3. Extinção das chamas;
4. Resfriamento;
5. Monitoramento termográfico;
6. Rescaldo;
7. Remoção e limpeza.

Paralelamente, deve ser feito o acionamento do Corpo de Bombeiro Militar para reforçar o efetivo e recursos. Um incêndio em carro elétrico pode demandar mais de 40 mil litros de água, 10 vezes mais que um carro a combustão, levar dias para estabilização da fuga térmica e empregar mais de 30 profissionais.

A técnica primária é verificar se o carro elétrico está conectado a um carregador. A fim de garantir o corte de fornecimento de energia elétrica, o eletricista deve verificar se realmente o carregador está desenergizado ou, simplesmente, acionar o dispositivo manual.

A segunda técnica consiste em confinar o carro elétrico sob uma manta antichama, com dimensão de 9x6m e resistência térmica a mais de 1.600ºC. O procedimento não extingue as chamas, mas evita que as chamas se propaguem. continuam na bateria de lítio localizado no assoalho.

O procedimento reduz também a temperatura do veículo, mas não consegue extinguir por completo as chamas e nem o processo de fuga térmica. Por isso, na próxima técnica, é necessário extinguir as chamas, mas sem usar os extintores convencionais, pois o incêndio irá re-igniciar em segundos.

É necessário usar extintores especiais, sendo os mais recomendados o agente DPSA-5 de aspersão em aerossol de pó químico seco composto a base de micropartículas de potássio, o agente Lith Ex de dispersão aquosa em aerossol por vermiculita e o agente F500 EA encapsulador em micelas para sistemas à base de água.

Estes agentes extintores possuem ação sobre os 4 elementos de sustentação do fogo, pois atuam na cadeia de reações químicas, isolam os elementos combustíveis, promovem o resfriamento e não permitem que o oxigênio alimente as chamas.

Com uso da manta, o mais indicado é o DPSA-5, por ser uma unidade portátil com acionamento por pino de tração. Com 5,5kg e capacidade de pulverizar um espaço fechado de até 60 m3 durante 60 seg, pode ser lançado sob o assoalho do carro elétrico onde se concentram as chamas da bateria de lítio.

Na técnica seguinte, o resfriamento é imprescindível para o controle dos incêndios nas baterias de lítio e efeitos da fuga térmica. Trata-se da única técnica que pode ser aplicada sozinha. Nas primeiras ocorrências de incêndios, muita água foi utilizada e a ação levou a dias de controle do incêndio.

Para poder economizar até 90% do consumo de água, o F500 EA é recomendado como aditivo, por ter excelente aderência e penetração. Os princípios ativos de encapsulamento em micelas isolam o material combustível a nível molecular, inclusive o hidrogênio, um dos vapores emanados pela bateria de lítio em fuga térmica. Também agem sobre no resfriamento, o que ajuda a reduzir o consumo de água.

Um detalhe muito importante a ser abordado em outra ocasião: o sistema de combate por chuveiro automático não possui nenhuma ação efetiva sobre incêndios em bateria de lítio. Embora, sejam importantes para evitar a propagação das chamas no ambiente.

Vamos para a quarta técnica. O monitoramento termográfico é tão importante para a detecção prévia das anomalias térmicas, quanto no controle do incêndio. Uma vez resfriado, os bombeiros devem manter o carro elétrico em baixas temperaturas e, constatando um súbito aumento do calor, devem voltar a resfriá-lo com a mistura aquosa.

Essas câmeras devem possuir uma faixa térmica mínima de leitura entre os -20º a 800ºC. Mas, recomendo as câmeras destinadas ao combate a incêndio que, além de possuírem uma faixa de leitura térmica que chega a mais de 2.000ºC, resistem a choques e calor.

Chegamos à penúltima técnica. Uma vez controlado e estabilizado, é recomendado imergir o carro elétrico em água por no mínimo de 24 horas, até o nível da bateria de lítio, uma vez que uma parte das células não chega a ser afetada e uma re-ignição pode ocorrer em horas ou dias.

Usada pela primeira vez em carros elétricos no ano de 2021, a técnica tem sido aperfeiçoada com o desenvolvimento de containers móveis e moldáveis, bem como os sistemas estacionários de imersão.

Os móveis são autotransportados e têm a facilidade de poder remover o carro elétrico, estabilizado e travado no próprio container. O dispositivo permite que a água contaminada seja totalmente drenada para ser tratada. Entretanto, o sistema é caro e inviável sob aspectos financeiros e logísticos para a maior dos estabelecimentos. A principal evolução foi na altura do container, necessária para cobrir somente A bateria de lítio e não todo o carro elétrico. Isso permitiu o desenvolvimento dos containers moldáveis, montados como se fosse uma piscina, mais práticos e mesmo onerosos. Entretanto, o sistema moldável não contém totalmente a água contaminada.

O sistema estacionário é uma inovação. No entorno da vaga do carro elétrico é instalado um dique de contenção com a entrada aberta. Havendo a detecção dos vapores emanados da bateria de lítio em fuga térmica, a entrada é automaticamente fechada e um sistema hidráulico inunda o dique, deixando o carro elétrico imerso até a altura da bateria de lítio. Após constatada a estabilização da bateria, a água contaminada pode ser escoada por tubulação até um reservatório ou estação de tratamento.

Tanto o container moldável quanto o sistema estacionário, que está em fase de desenvolvimento, são produzidos pela EVFS na Finlândia. Em breve estarão disponíveis no Brasil, representados por nós, a Mvalle Tech.

Enfim, a última técnica. Todo carro elétrico danificado precisa ser removido sempre em um guincho tipo plataforma. Nunca, transportado por reboque, com as rodas em contato com o solo, por causa do sistema de frenagem regenerativa que pode fornecer energia para as células e, consequentemente, a bateria de lítio entrar em re-ignição.

A limpeza também é importante, pois os resíduos gerados são tóxicos e corrosivos. O processo deve ser feito por empresa especializada, com trajes e ferramentas apropriadas. As células sobre o chão devem ser removidas com pás antifaiscantes e imergidas em balde apropriado com água.

Considerações finais

À medida que a produção de baterias de lítio aumenta no Brasil, e com elas os carros elétricos, os estacionamentos e as estações de carga, a possibilidade de um incêndio se torna maior. Com quase dois terços dos incêndios ocorridos em carros elétricos estacionados, alguns em estações de carga, isto torna preocupante a segurança para shopping centers, condomínios e outros estabelecimentos.

Estes incêndios ocorrem em função da fuga térmica, o que torna extremamente perigosa a ocorrência, com um fogo em nuvem que atinge alturas e distâncias expressivas, temperatura acima dos 1.000ºC, alta capacidade de propagação, produção de fumaça tóxica, projeção de detritos em alta velocidade e geração de resíduos contaminantes e corrosivos.

Os sistemas convencionais de detecção e combate, instalados conforme o projeto de incêndio, são totalmente ineficazes diante desta ameaça emergente. O que nos leva avaliar riscos e cenários, a fim de estabelecer um planejamento de segurança considerando o monitoramento termográfico, a proteção elétrica nos carregadores, os meios de controle do incêndio e a preparação dos operadores de central, bombeiros civis, brigadistas, técnicos de manutenção, operadores de estacionamento, profissionais de limpeza e, principalmente, a alta direção.

Neste artigo, fiz um alerta do quão é perigoso é um incêndio em carro elétrico estacionado ou conectado em uma estação de carga. Bem como, ter compartilhado informações necessárias para que você possa revisar a sua segurança e implementar ações adequadas. Ainda, não há uma solução definitiva para este tipo de incêndio, mas o mundo tem se mobilizado para desenvolver soluções tecnológicas para mitigar os riscos e minimizar o consumo de recursos.

Nós da Mvalle Tech temos uma iniciativa baseada em conteúdos gratuitos, oferta de cursos presenciais e online, avaliação e planejamento da segurança, capacitação das pessoas e parceria com os principais distribuidores nacionais e internacionais.

Converse com um especialista da Mvalle Tech e veja qual solução é mais adequada para o seu desafio.

Esperamos assim ter contribuído para uma sociedade mais segura, diante de um perigo proveniente de uma nova tecnologia, queridinha do mercado de tendências por reduzir a emissão de gás carbônico no planeta.

Marcelo Valle
Especialista em gestão de emergências, diretor executivo e fundador da Mvalle Tech e consultor de segurança contra incêndio na Performancelab.

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