Rio de Janeiro: como conter as barricadas e o avanço do crime organizado?

Por Eduardo Masulo

Nos anos 90, ao ritmo de funk, os jovens cariocas apreciavam os bailes pela cidade do Rio ao som de “tá dominado, tá tudo dominado”, música que era tocada em, praticamente, todas as festas da época. Após o sucesso, a canção ganhou as arquibancadas do Maracanã por meio das torcidas organizadas, que nos momentos de euforia, ecoava o som em forma de provocação à torcida adversária. Mas a melodia, que fazia parte da diversão da juventude, se tornou uma triste realidade carioca.

Recentemente, a imagem do Rio de Janeiro na mídia não está mais ligada às belas praias e aos pontos turísticos, como o Cristo Redentor ou o Bondinho do Pão de Açúcar. Isso porque as exuberantes paisagens da cidade já não conseguem ofuscar a violência urbana, que não tem hora e nem lugar para acontecer, e essa é uma realidade que não pode ser ignorada. Vale destacar, que apesar de esse ser um tema tratado como de Segurança Pública, ele requer muito mais profundidade e estudos, pois não é algo simples de se resolver e não se trata somente de medir quem é o mais forte.

A topografia acidentada da cidade contribui para a instalação e o crescimento dos chamados complexos, ou “CPX”, conjuntos de comunidades dominadas – ou não – por facções criminosas que travam batalhas por territórios e pontos de vendas de drogas. Essa guerra resulta em mortes, paralisações de escolas e transportes públicos, além de afetar o cotidiano da localidade. Os criminosos ocupam determinadas regiões e criam controles de acesso popularmente conhecidos como “barricadas”. Uma vez instaladas, o acesso nesses locais só é possível sob autorização e nas condições informadas pela facção.

Diante deste cenário, devemos entender que essas regiões estão em um crescente processo de segregação, cujos serviços básicos, como coleta de lixo, ainda conseguem entrar. Mas outros aparatos do Estado, como atendimento médico, precisaram se adequar para conseguir acesso aos complexos. Por exemplo, para atender em uma comunidade na qual o acesso só é possível por uma via onde está instalada a barricada, os profissionais das ambulâncias precisam desligar o giroflex, as sirenes e as luzes de seus carros, além de se identificarem e solicitarem a permissão para prestar o atendimento.

Nesse cenário caótico, as forças de segurança fluminense realizam, diariamente, operações de retiradas das barricadas nos redutos do crime em busca de drogas, armas e criminosos. Porém, a criminalidade se reinventa a todo momento, aprimorando cada vez mais suas artimanhas para dificultar o trabalho da polícia. Então, por um lado, o crime expande seus territórios sem temer o Estado, por outro, o governo perde a captação de impostos e as receitas das concessionárias de luz, água, empresas de telefonias e internet, que têm os seus serviços interrompidos ou sofrem com a coação sob pena de não poderem continuar os seus negócios no local.

Da mesma forma, várias operações logísticas possuem dificuldade de atender em áreas de domínio de facções. Pois, para conseguir acessar um comércio no interior de uma comunidade, seria necessário se adequar à diversas regras impostas pelos criminosos, além de correr riscos de segurança com os roubos de carga. Com esses entraves, muitas empresas optam por não dar continuidade aos seus negócios dentro das comunidades.

Mas segregar e, consequentemente, aumentar a desigualdade social não será a saída para o problema da violência. Na Segurança Pública, as soluções passam pela criação de ações de políticas públicas, com olhar no social, mas que devem ser feitas de maneira contínua e a longo prazo para serem efetivas. Também se fazem necessárias as ações de inteligência nos controles das fronteiras do Brasil para barrar o tráfico de armas e drogas. O Código Penal Brasileiro também carece de uma atualização, que deve contar com leis mais rígidas contra a corrupção de agentes públicos. Além disso, é necessário melhorar as estruturas de trabalho das forças de segurança e defesa, sem deixar de focar no aumento dos investimentos na educação.

Já no âmbito privado, existem algumas estratégias, baseadas nas regras de Compliance, que podem ser adotadas em prol da redução dos riscos e da continuidade dos negócios dentro de comunidades. Primeiramente, as empresas precisam estudar e implantar uma área de segurança em suas estruturas organizacionais para conseguirem atender regiões mais periféricas. Vale lembrar ainda que a segurança não se resume ao controle de acessos e às câmeras de vigilância voltadas para inibir invasões ou situações similares. Os profissionais de segurança devem ser multidisciplinares e conhecedores de negócios. Nesse sentindo, a produtividade e a segurança devem caminhar juntas visando reduzir a segregação social que assola o Rio de Janeiro.

Portanto, sem normalizar a violência, é preciso entender também que o direito de ir e vir, garantido em nossa Constituição, está ameaçado e o Estado parece não encontrar boas saídas. Dessa forma, podemos dizer que a solução para frear o avanço do crime organizado no Rio de Janeiro e no Brasil, em geral, está na união de iniciativas da população e do investimento do Estado em áreas periféricas.

Aqui, podemos tomar como exemplo o caso de Medellín, na Colômbia. O local já foi considerado um dos mais violentos do mundo e hoje é um exemplo de segurança pública, tendo seu índice de homicídio reduzido em 86% em apenas 15 anos. A solução para Medelín foi ampliar a participação do Estado nas comunidades mais pobres, dando assistência social para a população, além de investir em infraestrutura e educação de qualidade. Esse caso deixa claro como uma cidade só tem a ganhar quando a redução da violência se torna o foco das políticas públicas.

Eduardo Masulo é consultor master da ICTS Security, empresa de origem israelense que atua com consultoria e gerenciamento de operações em segurança.

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