Reconhecimento facial no estádio do Palmeiras abre debate sobre benefícios e perda de privacidade

Vantagens imediatas são claras: entrada facilitada, fim do cambismo e oportunidades comerciais para o clube. Mas existem preocupações sobre uso indevido de dados biométricos no futuro

O Palmeiras instalou no Allianz Parque um sistema de reconhecimento facial. Em vez de acessar o estádio com o ingresso convencional, o torcedor precisa cadastrar seu rosto no banco de dados e usá-lo para passar pela catraca. Existem benefícios imediatos, mas também riscos.

Everaldo Coelho, diretor de marketing, e Emerson Oki, estrategista em inovação, ambos representantes do clube, afirmam que o tempo de entrada do palmeirense na arena será drasticamente reduzido. Este é um dos ganhos pretendidos pelo clube com a implementação do mecanismo.

Se antes o indivíduo precisava apontar o ingresso para um leitor, tarefa que poderia levar poucos segundos ou até alguns minutos, espera-se que esse tempo seja diminuído com o olhar na direção do leitor biométrico.

Outra vantagem está no combate ao cambismo. Como todos os torcedores precisarão usar seus dados biométricos para acessar o estádio – em outras palavras, o próprio rosto –, não será mais possível comprar a entrada e eventualmente vendê-la ou entregá-la para terceiros.

“O torcedor reclamava muito. Abrimos uma auditoria interna, que desencadeou num inquérito policial, e nessa apuração constatamos que centenas de torcedores, de forma lícita, entravam no nosso sistema de compra online, baixavam e comercializavam os ingressos de forma abusiva. A gente tinha uma quantidade enorme de torcedores reclamando”, conta Everaldo ao podcast Dinheiro em Jogo.

Comercialmente, abrem-se possibilidades. A mais rudimentar delas é o uso do equipamento para expor marcas de patrocinadores, para aproveitar que a atenção das pessoas será direcionada a ele.

Também será possível aumentar a precisão do CRM (customer relationship management, ou gestão de relacionamento com o consumidor). Como o Palmeiras saberá exatamente quem está dentro do estádio, terá um histórico mais fidedigno dos hábitos de consumo dos fãs.

Esse banco de dados tem usos variados pelo departamento de marketing. Ao saber da frequência de certo torcedor no estádio, o clube pode oferecer benefícios e produtos condizentes com o perfil dele.

Em relação à segurança dos dados, o Palmeiras afirma ter seguido as regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Torcedores precisarão individualmente entrar no sistema e cadastrar o próprio rosto, junto das autorizações para que os dados sejam colhidos e usados.

O clube garante que não comercializa esse banco de dados com nenhuma empresa e que existem travas de segurança para o acesso por parte de funcionários. Não é possível, por exemplo, que colaboradores palmeirenses abram os rostos dos torcedores nos computadores.

Benefícios versus privacidade

Rafael Zanatta é advogado e diretor da associação Data Privacy Brasil. Ele, palmeirense, ficou espantado quando soube da instalação por parte do clube do sistema de reconhecimento facial.

“A tecnologia está associada a dois pontos problemáticos. Primeiro é a extração de dados pessoais sensíveis. A tua biometria é algo imutável. Você pode até mudar de nome, gênero, de outros tipos de identificadores pessoais, mas você muito dificilmente vai mudar o jeito que seu rosto está configurado”, explica o advogado.

O ativista em privacidade lembra que o sistema de reconhecimento facial trabalha com as distâncias entre olhos, nariz, boca e queixo, usadas para gerar um identificador permanente do cidadão. A menos que ele faça uma cirurgia invasiva, não conseguirá nunca alterar a feição do rosto.

Dados biométricos são considerados sensíveis e estão protegidos por lei federal. Eles diferem, por exemplo, de dados não sensíveis, como documentos de identificação ou o número da conta bancária.

O segundo aspecto problemático, de acordo com Zanatta, está em mudança recente na Constituição Federal, que mudou o tratamento em relação à proteção de dados pessoais. Se uma empresa detiver dados de consumidores que carreguem algum grau de risco, terá de comprovar a necessidade e demonstrar a finalidade, para que não ocorram excessos.

É possível, ainda segundo o advogado, que a obrigatoriedade do reconhecimento facial seja contestada judicialmente por torcedores que não queiram ceder seus dados biométricos ao clube.

“Diante de tecnologias que são novas, o que acontece é um encantamento com a solução de problemas imediatos. Mas, particularmente no reconhecimento facial, existe preocupação com o que pode ocorrer no longo prazo. Você pode ter coisas perturbadoras, como o Palmeiras ser forçado por autoridade fiscal a passar informações específicas de quem frequenta o jogo, ou a tentação de querer monetizar o tempo todo e construir perfis de publicidade direcionada a partir das emoções das pessoas”, afirma Zanatta.

Do lado palmeirense, o diretor de marketing Everaldo Coelho garante que o clube fez estudos para resguardar a privacidade dos torcedores e evitar problemas a respeito do novo sistema.

“A gente respeita a LGPD. Não é igual a alguns lugares em que os caras ficam te filmando de longe. Você vai lá e coloca os dados. […] A parte nossa jurídica trabalhou fortemente nisso por um mês. Foi feito todo um processo para que estivesse dentro da lei e em nenhuma hipótese pudesse ter vazamentos”, assegura Coelho.

Nos Estados Unidos, esse debate ocorre há mais tempo. Existem empresas que tentam usar a base de dados biométricos para identificar, durante toda a jornada de torcedores no estádio, o que aquelas pessoas estão sentindo, baseadas em sorrisos, choros e feições.

Em 2019, o guitarrista Tom Morello, famoso por integrar as bandas Rage Against The Machine e Audioslave, mobilizou campanha contra o reconhecimento facial obrigatório em shows de música.

Ao lado de outros artistas, empresários e formadores de opinião em geral, o músico disse que não gostaria de ver um “Big Brother” e sujeitar os fãs a uma série de riscos durante os concertos, tais como:

• Deportação de imigrantes
• Identificação equivocada por cor de pele
• Associação do rosto a dados de compras
• Inclusão permanente de dados em sistemas de governos
• Identificação e detenção durante os eventos
• Prisões por delitos menores, como uso de drogas

Fonte: Globo Esporte

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