Reconhecimento facial: 70% dos projetos têm índice baixo de transparência, e estados omitem erros com uso da tecnologia

Pesquisadores apontam falta de controle social e defendem banimento da utilização da ferramenta na segurança pública para identificar supostos criminosos

A falta de transparência marca os programas de reconhecimento facial para a segurança pública, mostra uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Entre 50 iniciativas em atividade no momento analisadas, 70% têm índice inferior a 4, em uma escala de 0 a 10.

O programa de reconhecimento facial da cidade de São Paulo alcançou a maior pontuação ao marcar 6,5 na escala. O município, no entanto, nega acesso a informações básicas, como o número de prisões efetuadas graças ao sistema e o software utilizado.

Os pesquisadores dividiram a transparência em ativa e passiva. A primeira diz respeito à divulgação pública de dados relativos aos programas. Em relação a ela, 34% dos projetos ficaram no índice zero. Já quanto à segunda forma de transparência, relativa às respostas de pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI), 44% marcaram zero.

Foram analisados 50 dos 282 programas de reconhecimento facial em atividade no país. O montante empregado pelo poder público nessa tecnologia supera R$ 969 milhões. O estado da Bahia concentra 60% desse valor. Veja abaixo mais resultados da pesquisa:

• 55% dos projetos não identificam empresas fornecedoras
• 32% não divulgam quem são os operadores da tecnologia
• 55% não informam sobre o órgão responsável pela licitação
• 72% dos projetos não revelam como a tecnologia foi adquirida
• 47% não informam o custo total dos sistemas

Os pesquisadores afirmam ainda que prefeituras e estados negaram o emprego de tecnologias de reconhecimento facial, apesar de indícios e documentos indicarem o contrário. A Polícia Civil do Amapá, por exemplo, negou via LAI ter um programa do gênero. No entanto, em seu site oficial, a força policial diz usar reconhecimento facial para localizar criminosos.

Em 2021, o governador do Amazonas, Wilson Lima, participou da entrega de 32 viaturas equipadas com câmeras de reconhecimento facial. Questionado via LAI, o governo estadual, no entanto, também disse não fazer uso da tecnologia.

Negativa semelhante veio de Mineiros, em Goiás. Apesar de a prefeitura do município manter um contrato com uma empresa especializada no tema, ela disse não empregar a tecnologia. O mesmo aconteceu com a cidade de Maricá (RJ), que, em 2021, comunicou por meio do Diário Oficial ter adquirido um software do gênero.

Na avaliação dos pesquisadores, a tecnologia “opera sem atender aos padrões mínimos” de transparência, agravada pela dificuldade de acesso a informações, o que implica na falta de controle social. Eles destacam também a ausência de evidências quanto à eficácia desses programas e defendem seu banimento.

“A quantidade de projetos que encontramos com baixíssimos índices de transparência revela um cenário muito preocupante no uso de reconhecimento facial no Brasil. A gente tem uma política que procura aumentar a visibilidade do poder público em relação às cidades, ao mesmo tempo em que há um processo de aprofundamento da opacidade do Estado em relação a essas câmeras”, disse Pablo Nunes, coordenador geral do CESeC.

“Estamos lidando com uma tecnologia que tem se provado arriscada, facilitando a vigilância massiva da população por meio de lentes enviesadas por raça e gênero. Além disso, essa tecnologia ameaça a proteção de dados pessoais dos cidadãos e não garante o acesso a informações básicas sobre seu uso”, disse o relatório apresentado nesta quinta-feira.

Órgãos omitem falsos positivos

Nenhum órgão analisado pelos pesquisadores admitiu a ocorrência de falsos positivos, apesar de existirem casos documentados em diferentes locais do país. Um dos estados que não reconheceu erros no sistema foi a Bahia, onde o CESeC registrou ao menos três casos de reconhecimento facial equivocados. No Rio, em 2024, foram quatro falsos positivos. Já no Sergipe, dois casos no intervalo de cinco meses foram registrados pelos pesquisadores.

Aos pesquisadores, “oito órgãos informaram que esses dados não são contabilizados, reiterando a justificativa de que não há erros porque, segundo eles, estes não existem”. 80% dos órgãos analisados não deram qualquer resposta aos pesquisadores. A exceção foi o Governo de Pernambuco, que ofereceu informações mais concretas sobre o tema, apesar de manter a quantidade de falsos positivos vaga. No estado, foram registrados “26 apontamentos de similaridade com base no reconhecimento facial”.

80% não informam

No total, 80% dos órgãos procurados pelos pesquisadores não ofereceram resposta em relação aos pedidos por dados de criminosos localizados devido à tecnologia.

Entre os que responderam, o relatório destacou a Bahia. Em seis anos, o estado prendeu 1.750 suspeitos e criminosos. A maioria das detenções diz respeito a crimes de menor gravidade, como furtos e não pagamento de pensão alimentícia.

No total, 87% dos órgãos não forneceram informações sobre o número de pessoas desaparecidas encontradas graças a tecnologia. A Prefeitura de São Paulo foi exceção e disse ter encontrado cinco pessoas.

Após a publicação da matéria, a Prefeitura de São Paulo se manifestou através de nota. Leia abaixo:

“A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) informa que o programa Smart Sampa segue rigorosamente os procedimentos exigidos pela Lei Geral de Proteção de Dados e adota protocolos que asseguram a assertividade do sistema. Os algoritmos de reconhecimento facial emitem alerta apenas com 90% ou mais de similaridade.

Em 21 de agosto, a plataforma passou a integrar o banco de dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado e, até agora, contribuiu para a localização de 19 pessoas desaparecidas.

Os testes de reconhecimento facial de procurados e foragidos da Justiça começaram em 5 de setembro. A SMSU prevê a divulgação dos resultados após o período de seis meses, conforme previsto em edital. No entanto, as informações parciais e dados abertos podem ser obtidos via Portal da Transparência.”

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