Para quem achou que era modinha…

Por Adalberto Bem Haja

Desde que surgiram, as startups despertam dúvidas, receios, oportunidades e muita curiosidade.

Em 2020 elas foram colocadas à prova e não decepcionaram, melhoraram seus pontos de incertezas e mais importante, seus pontos fortes foram essenciais no enfrentamento à crise, o que fez atrair ainda mais os olhares dos investidores.

Comecei empreender cedo, com 17 anos abri meu primeiro negócio, tive diversas realizações, mas pela pouca experiência e apoio, principalmente em gestão, cinco anos após, quebrei. Quebrar é muito ruim, mas se bem trabalhado, pode significar o início de uma grande virada de mesa. Optei pela virada, fiquei anos estudando todos os erros que cometi e cada erro entendido, se torna uma lição de como fazer direito as coisas.

Dentre todas as lições, a que mais carrego comigo é que investir em pessoas é o melhor investimento, até porque são as experiências e ideias das pessoas que formam empresas e empresas geram riquezas.

Quando digo investir, muitos podem já pensar em dinheiro, acho que eu pensava assim também, até que alguns anos atrás comecei a ser contatado por startups que buscavam orientação para a jornada de empreendedorismo deles. Comecei a perceber o quanto minha experiência de ter começado empreender cedo, quebrar, aprender, retomar e crescer, era o que esses empreendedores buscavam ouvir para conseguirem se desenvolver sem sofrerem tanto quanto sofri.

Após dezenas de conversas com os founders dessas empresas, aprendi que o nome disso é mentoria. Pronto! Descobri que mentorar é um barato e não parei mais de fazer. Evoluindo mais, comecei ver o quanto eu estava aprendendo com essas pessoas que pediam orientação. A forma ágil de pensarem, com foco em resolver dores, descomplicar o dia a dia e principalmente, mentalidade de escalarem seus negócios.

Quando dou conta disso, penso: “opa, porque não investir nesses negócios”, é onde dou início a minha jornada de investidor em startups. Assim que aportei meus primeiros reais, percebi que ao conversar com as pessoas sobre esse investimento, recebi diversas opiniões (todas válidas e me ajudaram a validar a tese que eu estava formando), porém todas tinham uma coisa em comum: startup é modinha!

Como todos sabem, coragem não é a ausência do medo e sim a capacidade de agir mesmo com medo. O que quero dizer com isso, é que levei o medo em consideração, questionei-me sobre essas opiniões, mas após pensar bastante, serviu-me para fortalecer minha coragem nesse tipo de investimento. Hoje tenho mais de 50 startups investidas.

Tenho buscado a cada dia aprender mais desse ecossistema para estar ainda mais preparado e assertivo nos investimentos, mas toda essa introdução é para começarmos a falar sobre como 2020 serviu para responder sobre a tal modinha, pois nunca aconteceram tantos investimentos, fusões, aquisições e IPOs em startups como no ano passado.

Mesmo 2020 sendo um dos anos mais trágicos para as economias mundiais, as startups mostraram essa resiliência que muitos tinham certeza de que elas não as tinham.

Vou pontuar um pouco da minha visão do porquê as startups estão performando e o que podemos esperar para os próximos tempos:

Fundadores de impacto e alta performance

Principalmente nos estágios iniciais (Anjo, Pré-Seed e Seed), um dos pontos que mais são olhados nas startups são os founders. O quanto eles são bons, criativos, entendem da dor que querem resolver, sabem escutar e colocam ações em prática de forma rápida. Os novos empresários adotaram não apenas uma nova postura, eles têm uma visão diferente do mercado e do mundo. Uma empresa inovadora tem em suas pessoas seu maior ativo e, sim, pessoas diferentes! Pessoas que movimentam esse novo mundo, porque são movidas pelo incomodo e inquietação

Essa tese deu muito certo com a pandemia. Assim que tudo começou, de forma muito mais rápida que as demais empresas, as startups mudaram seus planejamentos, seguraram caixa, buscaram mentorias compulsivamente e algumas chegaram até a pivotar totalmente seus negócios em um espaço de dias. Isso mesmo, eu vi startups adaptarem seus produtos, mudarem seus públicos e terem resultados, tudo isso em menos de um mês.

Muitas empresas morreram, porque não sabiam, nem queriam lidar com as mudanças, com os desafios, não tiveram a capacidade nem velocidade para traçar novos caminhos para continuarem suas jornadas, e as startups (ao menos em sua grande maioria) tem esse preparo em seu DNA.

Não andar sozinho

Muitos criticam a necessidade de tantos aportes que startups consomem, mas esquecem de que os aportes não são apenas de dinheiro. Cada vez mais o “Smart Money” é o que elas buscam, e o momento mostrou que o “smart” vale muito. Smart Money é quanto além do dinheiro, os investidores agregam, como: experiência, know-how, insights sobre o modelo de negócio em áreas fundamentais da empresa, track record e um forte networking junto ao mercado e a potenciais clientes.

Startups que são investidas por investidores (aplica-se todos os tipos de venture capitals) qualificados, conseguiram extrair resultado disso. Mentoria, networking e indicações de negócios foram essenciais e as startups tinham isso na mão de forma muito mais ágil e efetiva que empresas tradicionais.

Base tecnológica

Para ser uma startup, o negócio tem que ter base tecnológica. Quem nunca ouviu a frase “o digital salvou o real”? Pois bem, todas startups já estavam no digital, não precisaram adaptar nada para estarem tecnologicamente prontas para a pandemia. Além disso, startups sempre foram acostumadas a lidar com equipes reduzidas, orçamento enxuto e home office já era prática comum em muitas delas.

Selic lá embaixo

Em 2020 chegamos ao menor nível da história da taxa Selic, o que faz investidores buscarem maior diversificação em seus portfólios, aceitando tomar mais risco em troca de melhor rentabilidade. O ecossistema de startups está bem mais amadurecido, conhecimentos, regras (como o avanço que tivemos com a LC 155 de 27/10/2016, bem como iniciativas como o marco legal das startups avançando no Congresso), riscos e a pluralidade de tipos de investimentos possíveis (fundos de startups, grupo de investidores, investimento direto, crowfunding e co-investimentos) faz pessoas físicas olharem mais para essas oportunidades. Nos estágios iniciais (anjo e pré-seed) é possível pessoas físicas, com aportes menores, já investirem e entrarem no ecossistema.

Em uma jornada de sucesso, a empresa começa, cresce, chega ao IPO e passa a ser negociada na bolsa de valores, onde ainda poderá continuar crescendo. Porém, se analisarmos essa jornada, o percentual de crescimento dessa empresa certamente é muito maior do início até o IPO, do que após o IPO. Exatamente por isso, também vimos, investidores mais experientes, que participam da bolsa de valores, passarem a destinar parte desses investimentos em startups, enxergando a oportunidade de apostarem em negócios que viverão a fase de maior multiplicação do equity.

Olhar das grandes empresas tradicionais

Praticidade, tecnologia e flexibilidade são os pilares da nova economia onde as startups estão inseridas e isso tem cada vez mais chamado atenção das empresas tradicionais, que sempre gastaram muito dinheiro com pesquisa e desenvolvimento, e começaram fazer o movimento de adquirirem startups para melhorar seus produtos e serviços, sem precisar manter grandes equipes internamente.

Outro desafio para as empresas é ter capacidade de se transformar continuamente. Para as empresas continuarem relevantes pelas próximas décadas, elas precisarão saber escutar, gerar empatia e ter coragem de se reinventar mesmo que estejam em uma posição bem-sucedida. Se não for capaz de gerar a próxima ruptura do seu mercado, outra fará isso, e é com esse pensamento que grandes companhias enxergam a necessidade de pensar como startup.

O número de fusões cresceu mais de 300% e o de aquisições mais de 150%. Grandes empresas, como Via Varejo, Itaú, XP Investimentos, Magazine Luiza, Bradesco etc., buscaram em startups o aprimoramento de seus processos.

Enfim, não é modinha, esse é um movimento sem volta e que nos faz acreditar que os próximos anos serão ainda melhores que 2020 foi para as startups.

Adalberto Bem Haja
CEO da BHC Sistemas de Segurança, Investidor anjo e Mentor de startups. Formado em Engenharia Eletrônica pela FESP e com MBA em Gestão Estratégica e Econ mica de Negócios pela FGV. Possui larga experiência em gestão e desenvolvimento de negócios no mercado de tecnologia.

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