Inteligência Artificial assistiva mantém o fator humano na segurança pública
Por Sergio Nunes
A inteligência artificial (IA) é a inovação mais disruptiva dessa geração. Ela está rapidamente se tornando um componente essencial em muitos setores, incluindo a segurança pública. No entanto, esses ainda são os estágios iniciais da adoção da Inteligência Artificial e, com isso, vêm os desafios. Um deles é conhecido na teoria dos sistemas como “caixa preta”, que representa um sistema fechado, de complexidade potencialmente alta. No contexto da segurança pública, seria quando os operadores humanos, que supervisionam um sistema, não entendem completamente por que os algoritmos recomendam uma ação específica. Os dados entram por um lado e os resultados saem do outro, mas nem sempre está claro o que acontece nesse ínterim. Talvez o software tenha percebido um padrão que os humanos não puderam detectar ou talvez a máquina, simplesmente, tenha cometido um erro durante seus cálculos. Será?
A capacidade de explicar as tomadas de decisão de forma consistente é essencial para os modelos de Inteligência Artificial. Conseguir essa clareza, tão necessária, ajudará as organizações a obterem o contexto necessário para o gerenciamento de riscos, e isso é especial para um setor como a segurança pública, do qual vidas dependem. A confiança do público nas tomadas de decisão dos profissionais nesse setor deve ser absoluta.
As soluções de IA em segurança pública precisam manter o elemento humano durante operações para que a decisão tomada seja, previamente e totalmente, avaliada e compreendida. Na realidade, as organizações de segurança pública têm um imperativo ético para fazer isso. No entanto, isso não elimina a função da IA, já que ela pode ser usada para agilizar a coleta de informações antes que uma decisão seja tomada. Esta forma de IA na segurança pública é chamada de IA “assistiva” e, como o nome sugere, ela não executa comandos de forma independente. Em vez disso, ajuda os profissionais da linha de frente a trabalharem com mais rapidez e eficiência, pois recebem e processam informações dia após dia.
Um exemplo perfeito dessa combinação de IA assisitva e tomadas de decisão humanas está nas centrais de atendimento de organizações de segurança pública, onde os operadores são o primeiro ponto de contato do público em uma emergência. Os operadores e despachadores devem identificar o que realmente é importante, o que é ainda mais difícil quando recebem uma enxurrada de informações decorrentes de um enorme volume de ligações. Quando o tempo está correndo, destacar dados e situações críticas até mesmo alguns segundos antes podem salvar vidas, e a IA assistiva se destaca nesse trabalho essencial.
Em vez de substituir a intuição dos operadores nas centrais de atendimento, a IA assistiva pode aumentá-la detectando semelhanças, palavras-chave e informações relevantes, provenientes das chamadas. Por exemplo, operadores que atendem dezenas de ligações durante um grande acidente de trânsito podem não perceber que o caminhão envolvido era um “caminhão-tanque”, um detalhe compartilhado apenas com um dos atendentes de plantão. Esta simples nuance pode indicar que o veículo estava transportando líquidos potencialmente explosivos ou perigosos. Essa informação seria vital para as equipes de campo enviadas ao local, especialmente se um incêndio começou por causa do incidente. Nesse contexto, a IA assistencial destacaria imediatamente esse detalhe crítico para a equipe de atedimento e despacho, a qual poderia informar as equipes de campo para tomarem as precauções necessárias.
A IA assistiva pode, também, realizar tarefas como identificar e sinalizar disparos de tiros para a viatura ou batalhão mais próximos, ou ainda coordenar esforços de várias organizações durante a resposta a determinada emergência. Ao analisar as informações de maneira mais rápida e contínua do que os humanos poderiam fazer sozinhos, a tecnologia detecta anomalias e padrões, ajudando os profissionais da linha de frente a enxergarem o invisível.
Existem também outras áreas intrigantes no horizonte onde a IA assistiva pode ajudar, como atuar como um segundo par de olhos para detectar quando os níveis de estresse de um profissional se tornam incontroláveis. Os profissionais de segurança pública trabalham rotineiramente em turnos de 12 horas enquanto assistem a cenas traumáticas que afetam negativamente a sua saúde mental. Por causa disso, os atendentes enfrentam maior fadiga, com maior prevalência de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) do que outras profissões. A IA assistiva pode, em determinado dia, alertar os supervisores de que um operador precisa de uma pausa, permitindo-lhes intervir enquanto preserva a energia e a visão dos funcionários. Ao utilizar esses recursos úteis, e que salvam vidas, os centros de comunicações de emergência poderiam fornecer um ambiente mais favorável que, em última instância, tornaria a suas equipes mais eficazes.
A intuição humana e as tomadas de decisão serão os pilares da segurança pública em um futuro previsível, porque os computadores e o software não podem substituir totalmente julgamentos tão complexos. Entretanto, o que a IA assistiva pode fazer é amplificar esses elementos, protegendo melhor o público, bem como aliviar o estresse que os profissionais em campo enfrentam dia após dia, de maneira significativa. Em um setor onde cada segundo conta, a IA assistiva, que ajuda os funcionários de segurança pública a fazerem o seu trabalho com mais eficiência, aqui e agora, não é apenas uma inovação bem-vinda, mas necessária.
Sergio Nunes
Vice-Presidente Sênior da divisão de Segurança, Infraestrutura e Tecnologias Geoespaciais da Hexagon na América Latina.
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