A mulher e a Segurança Privada
Estamos no mês de março e, como todos os anos, no dia 08, iremos celebrar o dia internacional da mulher. Diferente da grande maioria das datas comemorativas, este dia foi oficializado pelo ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – em 1975, para celebrar as conquistas políticas e sociais, principalmente, após anos de luta por igualdade e respeito. Lutas estas que perduram até hoje, diga-se.
Já se passaram 45 anos desde o reconhecimento desta data pela ONU, porém, mesmo com a evolução desta temática, abordada nos mais importantes fóruns no Brasil e no mundo, a disparidade ainda está longe de ser extinta. Dados expostos pelo FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL, em 2017, revelam que houve aumento considerável no índice de desigualdade de gênero em nível mundial. O levantamento mostra que,no mundo todo, os salários das mulheres representam apenas metade do dos homens que recebem, em média, US$ 21 mil no ano e as mulheres apenas US$ 12 mil pelo mesmo período. A revista FORTUNE realizou relevante pesquisa sobre negócios e identificou que somente 21,8% dos parlamentares no mundo são mulheres. Outro dado considerado pela pesquisa da conta de que, dos 500 CEOs de grandes empresas, apenas 4,6% são mulheres.
Neste artigo, resolvi me afastar da formalidade que geralmente emprego em meus textos de caráter técnico, versando sobre a segurança no ambiente shopping center para falar um pouco da experiência de ter, atuando dentro de um dos ambientes mais complexos de todos, do ponto de vista de segurança, a presença de mulheres agentes de vigilância.
Já se passaram mais de 50 anos desde a primeira normatização da segurança patrimonial, cujo objetivo era, no primeiro momento, atender as instituições financeiras. O crescimento do mercado privado, ao longo dos anos, alavancou o segmento e a criação de outros braços da segurança, como exemplo a área patrimonial e pessoal e, posteriormente, a segurança portuária, segurança condominial, segurança em shoppings, grandes eventos e tantas outras que surgiram em razão das novas demandas oferecidas pelo mercado.
O perfil de mão-de-obra da categoria passou por poucas mudanças. A exigência para ocupar o cargo de profissional de segurança era definida pela robustez; a compleição física e a pratica de artes marciais eram os principais critérios. A baixa escolaridade predominava e, em um cenário como este, não teríamos mulheres atuando. Não poderia ser diferente, pois essa categoria foi criada no final do período de um Governo Militar e por um Ministério composto por Militares com a missão precípua de resguardar as instituições financeiras, alvos de ataques constantes na época.
Com o passar dos anos, iniciou-se um tímido acesso das mulheres ao mercado e hoje, apesar dos números ainda apresentarem uma enorme diferença, já é possível ver agentes femininas no segmento. Segundo a SESVESP – Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de formação do estado de São Paulo – em 2019 o número de mulheres atuando como agentes representa 8% do total de vigilantes ativos no Estado. Outro dado apresentado pela instituição afirma que muitas mulheres já ocupam cargos executivos nas empresas de segurança, ou seja, elas não só entraram, mas estão vencendo as barreiras e ascendendo dentro das organizações.
Se compararmos este percentual aos dados DO FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL, bem como os da FORTUNE, não se questiona, de fato, o desequilíbrio de forças na presença feminina, ou seja, os dados aqui do Brasil corroboram com as informações mundiais, ainda que apresentem percentuais distintos, mostram que a mulher é minoria.
No segmento em que atuo, minha experiência com a mulher sempre foi e continua sendo positiva. Já recompensei uma agente feminina que, muito observadora, identificou, em sua ronda pelo mal do shopping, uma inofensiva senhora subtraindo mercadorias no interior de uma loja. Essa inocente senhora, se misturava aos muitos clientes que circulavam pelo shopping e estava muito bem vestida, mas ainda assim, foi percebida apresentando comportamento diferente do normal. Este foi apenas um dos vários casos da atuação exitosa da mulher no ambiente dominado pelos homens.
Por se tratar de um ambiente democrático e livre de qualquer restrição de acesso durante seu funcionamento, um shopping center requer atributos diferentes daqueles exigidos nos primórdios e que, infelizmente, ainda não requisitos para algumas empresas hoje.
Os atributos físicos deram lugar a um elemento analítico, com alto poder de observação e memorização. As artes marciais foram substituídas pela capacidade de sintetizar informações e repassar de forma clara e objetiva, ou seja, os novos atributos exigidos para este ambiente podem ser observados em homens e mulheres, daí a necessidade de ruptura com o antigo modelo de perfil do homem grande e sisudo, com o simples objetivo de intimidação e da quebra dos paradigmas que limitam o acesso das mulheres a este segmento.
Para enriquecer este artigo busquei, através de um bate papo com um grupo de agentes femininas, entender o cenário sob o ponto de vista delas e, munido de um questionário com perguntas chave sobre o tema proposto, obtive algumas respostas unânimes, algumas com maioria e outras, por razões de personalidades distintas, divergentes.
Para a maioria das entrevistadas, a atividade não seria a primeira opção escolhida, pois o ambiente é predominantemente ocupado por homes, gerando receio de sofrer com o crivo de um juízo de valor negativo por parte dos colegas. O fato de existir a grande maioria masculina, já no curso de formação, intimida as mulheres, gerando certo desconforto.
A possibilidade de uso do armamento também foi citada como um obstáculo. As agentes tinham certa resistência por não ter conhecimento dos detalhes sobre o treinamento pratico de manuseio e tiro.
Uma das grandes preocupações das mulheres está ligada a questão do respeito por parte dos colegas de profissão. Todas se questionavam se seriam respeitadas no ambiente de trabalho amplamente masculino e de como seria o trato com os colegas. A resposta a esta questão veio de uma das próprias entrevistadas que, sem titubear afirmou: “Eu me fiz e me faço ser respeitada”.
Reservar esses minutos com minhas agentes, me fez refletir sobre a necessidade de continuar a busca pela quebra deste paradigma, mas duas palavras chamaram atenção, pois surgiram em diferentes momentos das entrevistas e foram repetidas em vários momentos, até a conclusão de todas as conversas.
O respeito,que deve ser visto como uma conquista alcançada através do resultado de comportamentos e ações. É a expectativa atendida quando se tem certeza de que as ações geram no outro o desejo de observar a devida deferência para com seus pares, independente do gênero.
O preconceito,que surge imediatamente quando não se conhece o contexto, ocasionando o bloqueio da empatia, por exemplo, cria enormes barreiras psicológicas que podem fatalmente se sobrepor a vontade de se realizar algo novo e desconhecido. Impede de ir além. Talvez esse seja o principal obstáculo e um dos principais fatores impeditivos dentro do contexto do segmento segurança hoje.
Eu, enquanto gestor, continuo apostando na capacidade da mulher, pois sua presença, em determinados contextos, se torna tão ou mais necessária que a dos agentes masculinos, condicionando soluções mais assertivas por sua delicadeza dentro deste tão complexo universo que ainda preconiza o uso da força como única forma de solução.