A arquitetura é o campo da segurança

Por Percival Barboza

“Com seu caráter sentencioso, Sun Tzu forja a figura de um general super-homem cujas qualidades são o segredo, a dissimulação, a astúcia e a surpresa. Esse general deve evitar cinco defeitos básicos: a precipitação, a hesitação, a irascibilidade, a preocupação com as aparências e a excessiva complacência. Para vencer, deve conhecer perfeitamente a terra (a geografia, o terreno) e os homens (tanto a si mesmo quanto o inimigo). O resto é uma questão de cálculo. Eis a arte da guerra”.

São inúmeras as referências de Sun Tzu – general, estrategista e filósofo chinês, mais conhecido por sua obra A Arte da Guerra –, à importância de um general comandante conhecer o terreno onde irá combater, como condição imprescindível à vitória. Dedica nada menos que três capítulos de seu famoso livro à topografia, geografia e condições do terreno, definindo nove tipos de terreno possíveis e as ações que devem ser tomadas quando se está em cada um deles.

“Conhece perfeitamente o meio que o cerca. Sabe onde pode se deparar com floresta, bosque, rio, terreno árido e pedregoso, pântano, montanha, colina, morro, vale, precipício, desfiladeiro, planície, enfim, tudo o que pode servir ou prejudicar as tropas que comandas. Se não puderes informar-te pessoalmente da vantagem ou desvantagem do terreno, procura guias locais que te informem com segurança”.

Em outro famoso episódio, Sun Tzu fala sobre uma famosa batalha em que o resultado é conhecido. Cerca de sete mil atenienses, espartanos e seus aliados, conseguiram deter um exército persa estimado em 250 mil homens (estes números variam conforme a fonte, o certo é que os gregos estavam em número consideravelmente menor do que seus inimigos). O fundamental para a vitória foi a possibilidade de os gregos escolherem o campo de batalha, que podiam defender com sua inferioridade numérica.

A arquitetura determinou a escolha do campo (que se podia defender) e a vitória grega.

Não quero, com estas citações, dar a entender que considero uma situação de guerra como comparável à segurança patrimonial, mas, sem dúvida, o conhecimento das condições destas e de outras batalhas, contém muitas lições a serem entendidas, aprendidas e aplicadas na segurança. Outros fatores, que não são apenas “arquitetônicos”, entram em consideração nas causas de vitórias e derrotas em batalhas, mas entre eles a arquitetura é fundamental.

Em minha visão, a segurança patrimonial assemelha-se melhor às funções de planejamento e previsão de um estado-maior ou da diplomacia, cujas ações são de prevenir e vencer sem lutar.

As medidas de segurança eficazes desestimulam as ações inimigas e evitam os confrontos.

Condições geográficas, topográficas, urbanísticas e arquitetônicas, naturais ou criadas pelo homem, determinam de forma muito fundamental os demais recursos que você terá que empregar para atingir seus objetivos de proteção e segurança. Ter segurança, no sentido que estamos falando aqui, significa ter proteção contra acontecimentos prováveis que possam causar-lhe algum tipo de dano. O raciocínio é o mesmo desde a segurança do Estado até a sua segurança pessoal.

São muito conhecidas as intervenções urbanísticas do Barão Haussmann na Paris Napoleônica, até então de traçado medieval, abrindo largos espaços na cidade, que hoje conhecemos como seus belos bulevares, mas que também funcionaram como desestímulo a rebeliões e barricadas, abrindo belas visadas para tiros de canhões. Segurança de Estado.

Diversas associações como CPTED (Crime Prevention Trought Environmental Design) e DOCA (Design Against Crime), tem se dedicado a sistematizar o estudo das causas e efeitos do desenho arquitetônico no comportamento das pessoas e principalmente naquilo que desestimula os crimes e atividades antissociais, em diferentes tipos de locais e ambientes humanos. A literatura é extensa e recomendo sua consulta e estudo pelos interessados no tema.

A CEPTED, resumindo suas recomendações, estabelece 04 princípios básicos para o desenho de ambientes e define: “CPTED é o desenho adequado e uso efetivo do ambiente construído, que resulte em uma redução do medo, da incidência de crimes com consequente melhoria da qualidade de vida”.

• 1º Princípio: Vigilância Natural – Ver e Ser Visto?

Desenho de espaços que mantêm intrusos facilmente observáveis. Promovido por recursos que maximizam a visibilidade das pessoas, áreas de estacionamento e acessos aos edifícios: portas e janelas voltadas para as ruas e áreas de estacionamento; passeios para pedestres definidos, claros e sinalizados, ruas amigáveis a pedestres; ausência de becos e locais de tocaia; varandas frontais; janelas abertas para locais pouco frequentados e iluminação noturna adequada.

• 2º Princípio: Reforço Territorial – Quais são os limites?

O projeto físico pode criar ou estender uma esfera da influência territorial. Os usuários, então, desenvolvem um senso de controle territorial, enquanto os potenciais infratores, percebendo este controle, são desencorajados. Promovido por recursos que definem limites territoriais de propriedade e distinguem espaços privados de espaços públicos usando paisagismo, paginação de pisos, tratamentos de entradas e cercas de perímetro, por exemplo.

• 3º Princípio: Controle de Acesso Natural – Aquele é um estranho?

Desenho dirigido principalmente para a diminuição da oportunidade de crime, negando o acesso aos alvos e criando nos possíveis infratores uma percepção de risco. Conseguido através da concepção de ruas, calçadas, recuos, construção de entradas e acessos, integração da vizinhança, entre outros, para indicar claramente as rotas públicas e desencorajar o acesso indevido a áreas privadas, com elementos estruturais componentes destes ambientes.

• 4º Princípio: Endurecimento do Alvo – Vamos ajustar a ação prevista ao tempo de resposta?

Projeto e instalação de elementos físicos que impedem o acesso e/ou a remoção de objetos e alvos de valor específico, como por exemplo, blindagens, grades de janelas, fechaduras para portas, tramelas, dobradiças internas, vitrines, cofres, armários, embalagens, como também objetos pessoais, bolsos, bolsas, malas, entre outros.

Diversos autores dão visões ligeiramente diferentes para estes mesmos princípios, às vezes acrescentando outros, que representam visões particulares em situações específicas, mas os quatro básicos mencionados continuam válidos e podem ser aplicados de forma geral, a todas as situações que envolvem o desenho de um ambiente com os objetivos de proteção e segurança. Podemos imaginar a infinidade de situações que envolvem, por exemplo, o desenho de um edifício, a começar pelo seu uso, residencial, comercial, industrial, multifuncional, entre diversos usos e configurações possíveis. Esta complexidade irá certamente requerer a participação de especialistas no projeto. Exemplificando, vamos examinar dois casos:

• Caso 1: Segurança de uma sala reservada

Imagine uma sala de função importante, que contenha ativos valiosos, como por exemplo, um CPD, laboratório ou tesouraria, que por seu conteúdo deve ser protegida do acesso de estranhos não autorizados e deve ser o máximo possível imune a intrusão qualificada. Imagine a mesma sala em três configurações arquitetônicas diferentes:

Configuração 01: A sala cuja porta é a segunda barreira desde o acesso direto da rua.

Configuração 02: A sala no andar superior de uma residência utilizada como escritório.

Configuração 03: A sala em um prédio comercial, no interior de um pavimento de escritórios.

A sala é a mesma e o uso pretendido é o mesmo nas 03 situações. Qual situação você consideraria mais adequada para a localização desta sala e onde você necessitaria de menores recursos adicionais como: blindagens, controle eletrônico de acesso, câmeras, porteiros, etc? Você poderá até concluir que algumas destas situações inviabilizam a instalação da sala naquele local, ou pelos custos de proteção ou mesmo pela impossibilidade de proteger na condição de segurança pretendida, determinando a procura por outro local. A arquitetura determinou a sua decisão e os recursos necessários.

• Caso 2: Segurança de uma portaria

Para facilitar vamos considerar a portaria de um condomínio residencial. A principal função de um porteiro é reconhecer as pessoas que acessam um edifício e seus destinos. Do ponto de vista da segurança (no caso, o porteiro), existem dois tipos de público: os reconhecidos, e os suspeitos, ou seja, aqueles que se conhece e que sabemos o que vieram fazer ali e aqueles que não conhecemos e que, portanto, não sabemos de seus propósitos, que podem ser criminosos e dissimulados.

Agora considere três configurações arquitetônicas para o posicionamento da portaria na função de reconhecer pessoas que pretendem acessar o edifício:

Configuração 01: A portaria está localizada no interior do hall de acesso aos elevadores, o que é uma situação ainda bastante comum, principalmente em edifícios mais antigos. Nesta situação, o porteiro terá dificuldade em visualizar a pessoa de forma direta (distância e muitos obstáculos visuais) e não há como, de forma segura, obter e verificar documentos. Para isto, terá que se dirigir até o portão ou abri-lo para que a pessoa vá até ele, expondo-se a um suspeito (ainda não reconhecido).

Configuração 02: A portaria está localizada após os portões externos de entrada. Sim, alguns condomínios instalam dois portões em eclusa, à frente da portaria. Esta situação também apresenta dificuldades para que o porteiro cumpra sua função. Também existem dificuldades de ver a pessoa através das grades dos portões a uma certa distância. Em alguns casos o desenho das grades impede a visão.

Configuração 03: A portaria está localizada antes do primeiro ou do segundo portão da chamada eclusa de entrada. Nesta situação a pessoa estranha está de cara na janela da portaria e o porteiro olhando diretamente para ela, sem ter que passar por nenhum portão, seja quantos houverem. O porteiro visualmente domina o campo.

Mostra-se evidente que, na configuração número três, o porteiro tem melhores condições de se ver e se relacionar com o suspeito, inclusive para identificar dissimulações. Dessa forma, antes de ser identificado e reconhecido, o suspeito sequer passou pelo primeiro portão. As mesmas situações podem ser analisadas do ponto de vista da proteção do porteiro contra ameaças externas, mas isto seria analisar um outro item arquitetônico, que implica em outra relação de causa e efeito.

Lembrando que não estamos considerando a existência de câmeras, que representam uma visão indireta, ou outros sistemas, que não sejam um interfone e uma fechadura elétrica para abertura de portas e portões. Também não estamos considerando aqui, a autorização de acesso, que deve, em qualquer situação, ser buscada pelo porteiro junto ao visitado. O recente desenvolvimento de portarias virtuais ou remotas, onde os porteiros são substituídos por operadores distantes, fora dos locais de ocorrência dos fatos, também não foi aqui considerada, o que seria objeto de análise em outra matéria.

Meu objetivo com este artigo, é destacar a função fundamental da arquitetura na determinação da condição de segurança que será possível obter-se em cada local, na consequente definição e especificação dos demais recursos a empregar necessários (tecnológicos/metodológicos/humanos), e nos resultados, tanto da condição de segurança obtida, como de seu determinado custo operacional. Resumindo, a arquitetura, em cada situação, determina o procedimento de segurança e os demais recursos necessários para obtê-la.

Sun Tzu disse: “A superfície da Terra apresenta uma variedade infinita de lugares. Deves fugir de uns e buscar outros. Todavia, deves conhecer todos os terrenos com perfeição. Quem é verdadeiramente hábil na arte militar efetua todas as marchas sem desvantagem, todos os movimentos ordenados, todos os ataques certeiros, todas as defesas sem surpresa, todos os acampamentos com critério, todas as retiradas com sistema e método. Conhece as próprias forças e as do inimigo. Conhece perfeitamente o terreno. Portanto, repito: Conhece-te a ti mesmo, conhece teu inimigo. Tua vitória jamais correrá risco. Conhece o lugar, conhece o tempo. Então, tua vitória será total”.

Percival Campos Barboza é arquiteto e consultor para segurança.

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